“As pessoas não pensam o que sentem, não dizem o que pensam, e não fazem o que dizem”, disse um dia David Ogilvy acerca dos estudos de mercado. “Alquimia” (Dom Quixote, 2019), do inglês Rory Sutherland, é um livro sobre estas contradições basilares da natureza humana. Gostamos de acreditar que somos seres racionais, decidindo a nossa vida com base em argumentos lógicos, mas tal simplesmente não é verdade.
A mente humana é perita em pós-racionalizações – é frequente tomarmos as nossas decisões com base nas nossas emoções, elaborando depois uma explicação lógica para justificar o que fizemos. Sutherland chama-lhe “psico-lógica”, algo muito diferente da lógica tradicional: um sistema operativo paralelo e inconsciente.
O autor apresenta o exemplo da pasta de dentes: qual a razão para ser vendida às riscas? Não há nenhum benefício funcional nesse facto – uma vez na boca, todos os componentes se misturam. A razão é psico-lógica: pasta de dentes com várias cores sublinha o facto de ter várias funções, ou seja, branqueamento, hálito fresco, combate às bactérias, etc. O reforço visual tem efeito no consumidor, ainda que, pela lógica, não faça sentido.
Nos dias que correm, temos as mais variadas demonstrações de psico-lógica: o que haverá de lógico em açambarcar papel higiénico em quantidades enormes à conta da crise do coronavírus? Há quem diga que tem a ver com a nossa necessidade de segurança: como criaturas sociais, tememos não estar apresentáveis e cheirosos e, com isso, sermos afastados pelos outros.
Estas razões subjacentes são, muitas vezes, invisíveis para o pensamento moderno. Estamos vergados no altar da racionalidade, como se a realidade estivesse à espera que lhe disséssemos como se deve comportar. “Quando exigimos lógica, pagamos um preço oculto: a destruição da magia”, diz Sutherland. “E o mundo moderno, com as suas excessivas reservas de economistas, tecnocratas, gestores, analistas, paranóicos das folhas de cálculo e maníacos dos algoritmos, está a tornar-se um sítio cada vez mais difícil para a prática da magia – ou sequer da sua experimentação”.
“Alquimia” está construído como uma série de artigos, onde Sutherland expõe as suas teorias fascinantes, sempre sob a perspectiva de um publicitário – o autor é Vice-presidente da Ogilvy, e autor de três TED Talks cativantes, vistas por mais de 6,5 milhões de pessoas. Para além disso, tem um sentido de humor extraordinário, o que provoca um elevado número de sorrisos por página – a que se junta um vasto repertório de histórias interessantes e perspicazes. Um bom livro para descobrir o alquimista que há em nós.
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