A literatura policial/criminal, na actualidade, apresenta-se com uma diversidade de géneros e com estilos para todos os gostos: há os clássicos, os nórdicos, as sagas protagonizadas por detectives em todos os canto do planeta. Em o “Crime, disse o livro” (Clube do Autor, 2019), Anthony Horowitz – com uma vasta carreira no “mundo do crime”, quer como argumentista/criador de séries como “Midsomer Murders”, quer como escritor convidado para dar continuidade de romances de Sherlock Holmes – tenta, de forma supostamente original, oferecer-nos um tutorial sobre literatura policial, com uma dose dupla de mistério que decorre em duas realidades distintas.
O autor interroga-nos sobre o motivo da preferência e da necessidade deste tipo de literatura: “Porque será que precisamos tanto de livros policiais e o que têm eles que tanto nos atrai – o crime ou a solução? Teremos alguma necessidade primária de ver sangue derramado por termos vidas seguras e confortáveis?”.
A resposta é dada através da personagem principal, a editora Susan Reyland, impelida a investigar a morte do escritor Alan Conway, famoso pelos seus policiais e que lhe deixa nas mãos a sua última obra – à qual, de forma inexplicável, falta o final.
É na primeira pessoa, enquanto editora, que ouvimos as múltiplas razões da adesão ao estilo policial: “Esse é o poder particular dos policiais – que têm, acho, um lugar especial na panóplia da ficção literária, porque, de todas as personagens, o detective é aquele que desfruta de uma relação mais singular com o leitor. No fundo, este género de livros trata da verdade: nem mais, nem menos. Num mundo de incerteza, não é satisfatório chegar à última página com todos os pontos nos i? As histórias imitam as nossas experiências no mundo“.
Enquanto acompanhamos Susan Reyland na sua investigação, somos agraciados com alguns segredos das celebridades, como a relação dos escritores com as suas personagens – por exemplo, o facto de Agatha Christy ter passado a odiar Hercule Poirot quando deixou de escrever sobre ele, descrevendo-o como “um pequeno pulha, detestável, bombástico, cansativo e egocêntrico“.
A justificação da escolha das pequenas terriolas para cenário ideal também está fundamentada: “As emoções, que rapidamente se dissipam no barulho e caos da cidade, apodrecem na praça da vila, impondo às pessoas psicoses e violência. E isso é uma dádiva para um escritor de policiais. Também há a vantagem da conectividade. As cidades são anónimas, mas numa pequena comunidade rural toda a gente se conhece, tornando-se mais fácil inventar suspeitos“.
Para quem é aficcionado deste estilo, avesso aos estereótipos a ele associados – e que tanto lê Edgar Allan Poe como Agatha Christie, Raymond Chandler ou Stieg Larsson -, talvez se sinta como que empurrado para o divã sem marcação prévia, para uma introspecção que não pediu e que poderá levar uma eternidade a decidir se terá ou não algum interesse. Que nos perdoem os psicanalistas.
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