Abrir gavetas e caixas, descobrir fotografias, desenhos, objectos ou outras peças que só para nós têm valor e significado, é dar vida às emoções e aos sentimentos – é não esquecer as nossas origens. Quem é que fica imune aos momentos fantásticos captados e eternizados por uma fotografia? Quem é que não gosta de recordar a meninice partilhada com os avós, tios, primos ou amigos de infância? São esses instantes únicos que fazem de nós aquilo que somos. São a nossa história, a nossa identidade. Mas o que acontecerá quando as nossas memórias começarem a ficar ténues?
“O Avô tem uma Borracha na Cabeça” (Porto Editora, 2020), com texto de Rui Zink e ilustrações de Paula Delecave, narra a história da amizade entre um avô que, lentamente, vai perdendo a memória, e o neto que sonhava e estudava muito, tudo “para ser um grande cientista inventor. Eu ia descobrir uma cura para a borracha na cabeça do avô”.
O neto acordou desse sonho e, triste e desanimado, decidiu que era necessário fazer alguma coisa e pôr mãos à obra: “Escrevi, desenhei tudo o pude. Durante dias, semanas, meses. A juventude do avô. A vida do avô. E, por fim, o avô e eu“. Numa escrita plena de esperança, sensível, terna e bem-humorada, a mensagem é robusta: o amor é mais forte do que o esquecimento.
Paula Delecave dá vida às colagens de fotografias de família e outras, ilustrando de forma graciosa a relevância das memórias. Não podemos deixar de referenciar o tipo de letra em que o texto nos é apresentado: as letras parecem gastas pelo tempo, escritas pela velha máquina de escrever, como se nos dissessem que não podem ser apagadas, que o tempo longínquo faz parte de nós. As guardas do livro, em cor vermelha, apelam aos sentimentos de amor e paixão, ou à circulação sanguínea que dá energia ao corpo, à vida – a vida dos nossos familiares que é também a nossa.
Partindo da experiência familiar e dos baús de fotografias, o autor chama à atenção dos mais jovens para a doença do Alzheimer, uma demência incurável e que tanto sofrimento provoca às inúmeras famílias que convivem de perto com esta doença. Não queremos, não devemos e não podemos esquecer aqueles que nos amaram – e que continuamos a amar.
Rui Zink nasceu em Lisboa em 1961. Escritor e professor no Departamento de Estudos Portugueses na Faculdade da Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, é autor de uma obra diversificada e multifacetada. No âmbito da literatura publicou, entre outros, os romances Hotel Lusitano e Os Surfistas. É ainda autor dos livros infantis da série O Bebé… . Publicou mais recentemente o ensaio O Manual do Bom Fascista e recebeu, em França, o prémio Utopiales para melhor romance estrangeiro, pelo livro A Instalação do Medo.
Paula Delecave nasceu no Rio de Janeiro e reside em Lisboa. Designer, ilustradora e atriz, é formada em teatro pela Casa das Artes de Laranjeiras (CAL, Rio de Janeiro) e pós-graduada em Livro Infantil pela Universidade Católica Portuguesa. Ilustrou o livro Que aventura ser Matilde, da Associação Pais em Rede, com texto de Rui Zink (Lisboa, 2015) e Quando João ficou sem palavras, de Ana Helena Rotta Soares (Memória Visual, Rio de Janeiro, 2017). Em Portugal, desenvolveu, em parceria com António Jorge Gonçalves, os espectáculos Frutoscópio e O convidador de Pirilampos, a partir do livro de Ondjaki.
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