Basta dar um passeio pelo goodreads para perceber a confusão que “O Passo Constante das Horas” (Bertrand Editora, 2015), romance de estreia do norte-americano Justin Go, lançou entre leitores de todos os cantos do globo, vítima de elogios e insultos que navegam entre a desmedida ambição e o puro fiasco.
Estamos em 2004. Tristan, um jovem de 22 anos, recebe uma carta de JF Prichard, da firma de advogados Twyning & Hooper, comunicando-lhe que poderá ser o herdeiro de uma imensa fortuna que, durante oito décadas, tem estado à espera de ser reclamada.
A história remonta a 1924, ano em que Ashley Walsingham morre ao tentar escalar o Evereste, deixando quase toda a sua fortuna – contra as muitas e insistentes recomendações dos advogados – a Imogen, com quem havia tido um romance há sete anos tendo, desde então, perdido o seu rasto. Tristan, aparentemente, poderá ser parente de Imogen, o que o deixa a um pequeno passo de deitar mãos a uma grande herança. Para tal, necessitará de encontrar uma prova escrita de que Imogen é de facto sua bisavó, uma tarefa que não se afigura nada fácil: para além de tudo estar envolto em segredos de família trancados a sete chaves, restam apenas algumas semanas até que o prazo legal para a reclamação da herança expire.
Um pouco como Phileas Fogg, Tristan irá embarcar numa viagem que o levará dos Estados Unidos da América ao continente europeu, dos arquivos de Londres aos campos de batalha do Somme e aos fiordes da Islândia, passando por Berlim e pelo sul de França. À medida que vai juntando as peças que compõem o intrincado puzzle emocional que uniu e separou Ashley e Imogen, Tristan começa a questionar-se se esta viagem será pura coincidência ou, ao invés, uma maquinação do destino.
Dividindo a narrativa em dois tempos, habilmente deixando o leitor em suspenso sempre que a história salta de 2004 para 1924 num circuito frenético, “O Passo Constante das Horas” é um livro ambicioso e de leitura compulsiva, que mostra o amor à luz de duas eras diferentes, ao mesmo tempo que retrata a sua intemporalidade.
É também um livro sobre a castração social, a crueldade da guerra – há descrições incríveis das trincheiras, das feridas e das várias mortes possíveis -, a ambição e o desejo de glória, a incapacidade de aceitar que a vida também é feita de tempos mortos. E que, no final, obriga o leitor a unir as muitas pontas soltas, fazendo com que existam intermináveis e paralelos desfechos. E, claro, sentimentos muito contraditórios. Uma estreia em grande.
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