“O Perfume da Esteva” (On y va, 2019) é um livro sobre caça e a natureza, de um autor na pele de um “observador não participante”. Paulo Rosa, licenciado em Direito e pós-graduado em Estudos Europeus pela Faculdade de Direito de Lisboa e com um master em Interculturalismo e Ambiente pela Universidade Ca` Foscari de Veneza, é advogado, professor do ensino secundário, jornalista e poeta. É, há cerca de 25 anos, presidente da Rádio Fóia CRl e director-adjunto do Jornal de Monchique, sendo também membro da Direcção do «Monchiqueiro» e membro da Direcção da Algfuturo. Foi o primeiro presidente, e durante vários mandatos, da associação ambientalista «A Nossa Terra», sendo actualmente presidente da Assembleia Geral. Desempenha ainda outros cargos: presidente da Direcção da Associação de Produtores de Medronho do Barlavento Algarvio (APAGARBE), deputado municipal independente em Monchique, delegado da Ordem dos Advogados e presidente do Conselho Disciplinar da Federação de Caçadores do Algarve. O “Perfume da Esteva” é o livro de estreia deste autor algarvio.
A obra consiste como que em “poesia naturalista, ambientalista”, com efusivos traços de “poesia cinegética”, enquanto consequência dos anos que o autor experienciou “no acto da caça e de comunhão com a Natureza”. Um caçador e observador experiente, com paixão pelo animal (pela Pitucha, por exemplo, num poema sincero de amor a ela escrito) e o ambiente, e os animais e os ambientes, com o “tal toque” jurídico que ressalva de quando em vez (também em “Um olhar” de Ortega y Gasset).
Apesar de não se apresentarem relevantes os cânones formais da poesia clássica, temos alguma preocupação rimática recorrente – por entre o mesmo verso (“Quase a medo por em segredo” em “Dia de Santa Aberta”) ou entre versos, existindo até em esquemas rimáticos-padrão, com rimas entrecruzadas – e alguma preocupação com a estrutura externa referente ao número de versos e estrofes (com a existência de um soneto, por exemplo). O autor aflora a tradicional composição de versos, nas suas variadas facetas. Não obstante a construção “simples”, o léxico é elaborado, num manto coberto de linguagem muito “rica”, com alguma repetição previsivelmente involuntária de vocábulos.
A leitura preenche-se com muito ritmo (“É a noite mãe da melhor manhã” em “Dia de Santa Aberta”), recheado de som (“Quando vem e quando vai retorna a casa/ Nesse espelho que se vê (…)” em “Ao pato-real”), que faz jus ao global tema da obra, embora as onomatopeias não sejam tão recorrentes como esperadas, com apenas ocasionais desabrochares (“A paixão vocalizada num uu-uu repetido e grave” em “Ao bufo-real”). De salientar, o esplendor do término das estrofes, principalmente a finalizar o poema, que parecem demonstrar um cuidado específico do autor (“E ergue a si uma estátua de ódio de corpo inteiro” em “À raposa”).
Os poemas seguem um descritivo lógico, que acompanha o título: uma dedicatória aos “bichos” que fornece uma panóplia de informações e sensações. À parte da beleza lírica (“A noite esvaziou o mundo a cor/ Tudo se vestiu de cinzento e negro/ Em matizes que o luar define e rege (..)” em “Os sons da espera” ou “A planície é um mar sem ilha à vista/ E o porto de chegada é a noite e o cansaço” em “Caça no terreno livre”), as palavras tornam-se educativas, num sentido de exposição e explicação do natural, com reflexos em simbolismos, redireccionados para a vida humana (“Puseram-no a dar horas o dia inteiro” em “Ao cucu canoro”).
Com um toque informal, a voz poética demonstra ouvir-se em tom contente (quase infantil), devido à vivacidade narrativa e relembrar do companheirismo. Esta revela-se rapidamente algo mais desenvolvido, pormenorizado e elaborado (quase idoso): muitas referências feitas que não parecem ser passíveis de serem compreendidas por todos os comuns mortais, inúmeras alusões de conhecimento mitológico e aparecimento do latim, enquanto “uso imprescindível para identificar os animais, que descreve nos seus poemas” como em “À Cyanopica cyanus” (sem rigor excessivo).
A mensagem poética passa por um incentivar à preservação ambiental, ecológica, com destaque na serra algarvia e na biodiversidade ambiental da região. Este ecologismo pode tornar-se confuso pelo vislumbre de afectos aparentemente contraditórios do autor: o associativismo ambientalista e a caça. Todavia a obra é um tributo à natureza, com bem-querer e sentido de responsabilidade, vindo do coração – “Que as coisas da vida/ São boas ou más/ Porque as julgamos/ Quando o pensamos/ Porque só é escravo quem o sente/ E soberano quem não precisa de reinar” (em “Liberdade”).
Aconselha-se a leitura de “O Perfume da Esteva” a algarvios com amor à terra, portugueses com paixão pela caça e humanos com impulsos enraizados, algo institucionais, de preservação ambiental.
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