Se tivéssemos de espremer a escrita de Amor Towles numa única qualidade, a escolha seria, muito provavelmente, esta: elegância. Tal como em “Um Gentleman em Moscovo“, livro que saiu primeiro em Portugal mas que aconteceu mais para a frente na linha cronológica Towlesiana, “As Regras da Cortesia” (Dom Quixote, 2019) transporta-nos para um mundo onde o charme caminha a par da melancolia, numa narrativa que serve de revisitação nostálgica à Nova Iorque dos anos 1930, onde a depressão dos anos anteriores se curava com flûtes de champagne, cocktails experimentais e festas dia sim, dia sim.
No centro da narrativa está Katey, ou Katherine Kontent, que numa exposição descobre duas fotografias de Theodore Grey – que, em tempos, conheceu como Tinker -, uma coincidência que irá servir para Kate contar a sua história, onde cabem também as vidas de Eve, então sua colega de quarto, e de Tinker, que fará a certa altura o percurso de príncipe a mendigo. Um falso triângulo amoroso feito de arestas rugosas e ângulos impossíveis de medir.
O título do livro é sacado a um livro de escritos de George Washington que, em adolescente, escreveu uma “lista de aspirações” com o título “Regras de Cortesia e Comportamento Decoroso quando em Companhia ou Conversa“, do qual constavam 110 regras para a melhor prestação social.
Sempre acompanhado pela poesia de T.S. Eliot e a prosa do “Walden” de Thoreau, Amor Towles escreveu um livro admirável sobre o amor, os sentimentos contraditórios, a descoberta e a perda do eu, a amizade, o perigo de revisitar o passado – “Os velhos tempos, como o meu pai costumava dizer: se não tivermos cuidado, estripam-nos como se fôssemos um peixe” -, a aceitação da perda e a capacidade de admiração, desenhando a vida como uma viagem labiríntica, onde as oportunidades de mudar de rumo talvez não sejam assim tantas e onde as escolhas certas são, também, “o meio através do qual a vida cristaliza a perda“.
De todas as regras, escolhemos esta: “Esforçai-vos por manter viva no peito a centelha de fogo celestial chamada consciência“.
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