Para quem anda nisto dos festivais, mais do que aquele cliché do “a vida são dois dias e o festival são três”, a frase a que se recorre com maior frequência – com as devidas recriações – no dia de encerramento é provavelmente esta: “Hoje vale tudo”. E não é que valeu mesmo? Do punk fofinho dos Idles ao vanguardismo de Thom Yorke, do agrafanço dos Chemical Brothers ao final perfeito com os The Blaze, o último dia do NOS Alive foi um festim para quem não gosta de estar quieto.
Os Idles são, comecemos por aí, um caso sério no que ao punk diz respeito. De um dia para o outro tornaram-se um fenómeno de massas, fazendo com que músicas tresloucadas como “Danny Nedelko” merecessem o direito r4 passar em estações de rádio pouco dadas a grandes agitações.
Depois do arraso que foi o concerto no Lisboa ao Vivo no ano passado, a banda inglesa repetiu a dose em Algés: riffs incendiários, crowdsurf de guitarra nas mãos – a certa altura deixada com o público para arriscar uns acordes -, uma energia taurina em palco e, entre as canções, mensagens tão pertinentes como o respeito e a admiração pelos emigrantes ou a importância de falarmos dos nossos problemas e chatices com outros para manter a depressão ao largo – o que faz deles uma espécie de arautos do punk fofinho.
Entre os clássicos com o selo Idles, destaque maior para “Love Song”, onde fomos brindados com um mash up que foi de Sinéad O`Connor a Adele. Um concerto interactivo de uma banda que, se nos ensinou que a alegria pode ser um acto de resistência, também nos mostrou que nunca devemos confiar num homem com permanente.
Depois de cinco temas dos Smashing Pumpkins não nos terem provocado mais que umas cócegas ligeiras, impôs-se uma mudança de planos no mapa musical. Afinal, não muito longe dali ia actuar Thom Yorke, aquele tipo que dança de forma estranha e descomplexada e que tem sido o rosto maior de um mito chamado Radiohead. Chamem-lhe vidência, impulso ou uma sorte danada, mas a verdade é que Yorke deu um dos mais futuristas concertos desta edição do NOS Alive.
Se, com Corgan e seus muchachos, se tratava de celebrar o passado – desde Mellon Collie que os Smashing não fazem um disco incrível -, com Yorke estamos a olhar bem lopara lá do horixzonte da linha temporal, um pouco como Kubrick o fez com 2001 Odisseia no Espaço e outros pedaços de película. Aliás, o concerto de Yorke teve tudo de cinematográfico, chegando a parecer um buraco negro onde não hesitaríamos em dar um salto de fé.
A música de Thom Yorke, bem mais interessante que as últimas rodelas enquanto Radiohead, é música de dança para melancólicos, canções de amor para quem gosta de abanar a anca, com uma linha melódica indirecta e uma escrita que recusa o formato tradicional. Ao vivo, tratou-se de uma viagem visual que resultou em transcendência, um pouco como a imersão na melhor das literaturas.
Após o concerto, em conversa na tenda de imprensa, alguém dizia que chegou a pensar que estaria tudo a acontecer apenas dentro da sua cabeça. Uma ideia partilhada por muitos em silêncio, até que, depois da última canção, toda a tenda rebentou numa celebração gigantesca, respondida com aquele que foi, provavelmente, o único encore a que aquele palco teve direito. Um encore que começou com a belíssima “Dawn Chorus”, interpretada ao piano, antes de a tempestade voltar a fazer das suas. O mais vanguardista, inesperado e surpreendente dos concertos a que assistimos.
Para os amantes de dance music, os Chemical Brothers, carinhosamente conhecidos por Irmãos Quimigal, têm um lugar muito especial guardado naquela parte da anca mais propensa ao abanão.
Com uma setlist e um enquadramento cénico muito semelhante ao que ofereceram há três edições no mesmo palco, Tom Rowlands and Ed Simons não grelharam um único prego, proporcionando a quem não foi para casa depois de Corgan arrumar as tralhas uma hora – e mais uns pozinhos – de pura adrenalina, sempre com as endorfinas no ponto máximo, onde cada pausa parecia ser o prenúncio da eminente chegada do fim do mundo. A escolherem uma assinatura que pudesse servir de candidatura a festas, casamentos e baptizados, poderia bem ser esta: Irmãos Quimigal, os reis do agrafo.
Estão a ver o cubo de Rubik, aquele mistério de seis cores que, antes da chegada do youtube, praticamente ninguém conseguia resolver? Pois bem, os The Blaze fizeram de um cubo luminoso a sua casa, e fecharam a edição do NOS Alive com um concerto poderia bem ter durado mais um par de horas.
Ao contrário dos Irmãos Quimigal, onde até os momentos mortos conseguem pôr o bypass de um insuficiente cardíaco a apitar que nem um comboio desgovernado, os The Blaze poderiam ser descendentes de Don Juan, agindo como autênticos sedutores da pista de dança. Guillaume e Jonathan Alric são uma dupla que nos envolve lentamente naquilo que parece ser um exercício de meditação, mas que afinal não passa de uma pura patranha para incitar ancas fracas e pés pesados. Quando damos por ela já estamos a levitar à boleia de uma malha incrível, que mais parece uma bolha hermética de felicidade. Quando, no final, aquele cubo volta a fechar, nele correndo os créditos finais como numa esmerada produção cinéfila, só nos apetece mandar estampar uma T-Shirt que diga isto: Estive no céu mas obrigaram-me a voltar.
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