É sempre num misto de emoção, algures entre uma ida à Feira Popular e um passeio pelo tapete vermelho do Moda Lisboa, que se entra com o pé direito e sem tremuras no NOS Alive, o festival urbano que tem trazido ao Passeio Marítimo de Algés alguns dos nomes mais sonantes – e com currículo para dar e vender – que competem no animado circuito musical.
Ficam os nossos destaques deste dia que serve para engatar a primeira e evitar o uso da marcha atrás, e que só terminou depois de termos aviado uma dose generosa de batatinhas fritas goela abaixo.
Estão familiarizados com a velha história da lagarta que, vencendo a timidez e apostando em bons cremes e num guarda-roupa à maneira, se transforma numa borboleta que não pára quieta em casa? Pois bem, Sharon Van Etten é a personificação desta mutação que a colocaria de caras na academia dos X-Men, alguém que hoje em dia pisa o palco como uma estrela rock cintilante e carregada de glitter (ainda que se vista de preto da cabeça aos pés).
Com uma nova rodela que trocou a folk por um registo mais perto da pop com um travo electrónico – escrita enquanto estava à espera do primeiro rebento, se formava em Psicologia e fazia uma perninha na série “The OA” do Netflix -, Sharon ainda picou o ponto em vários momentos da discografia, mas foi a versão imaculada de “Seventeen” que fez arrepiar os pelos dos bracinhos de muito boa gente. Não faltou também a lindíssima “Every Time The Sun Comes Up”, a canção favorita da mãe. Um concerto calmo e discretamente tempestuoso, soturno mas igualmente reconfortante. Não há por aí quem convide a borboleta para esvoaçar na Aula Magna?
Há uns bons anos – qualquer coisa como duas décadas – esta malta do Porto cantava com pulmão e meio que o Monstro precisava de amigos, e a verdade é que não faltaram aos Ornatos Violeta amizades de longa data, que não quiseram perder o regresso aos palcos de uma das mais lendárias bandas portuguesas. Se, como cantam numa certa canção, estivesse provado que “o amor é uma doença”, este tinha sido um concerto para acabar com a chegada do 112. Novos fãs ter-se-ão juntado à causa, mas quem os conhece de ginjeira terá sentido na pele o sopro de um amor antigo, bebendo cada uma das palavras que Manuel Cruz lançou durante a viagem: “Como é bom voltar a viver”.
Se A Dama do Lago tivesse tido a sorte de sobreviver ao afogamento saltando das páginas do romance de Raymond Chandler, quem sabe se não se tornaria numa quebra-corações de Jorja Smith que, antes de subir ao palco, já ouvia as suas canções a ser cantadas por um coro de fãs em pré-histeria. Com um vestido que uma sereia usaria no baile de finalistas a alta profundidade, Jorja brindou-nos com uma soul com sabor a mel que, durante hora e meia, fez a delícia de milhares, que só não subiram aos andaimes porque simplesmente não os havia por perto. Este ano, Jorja acumulou uma nomeação para os Grammy e três para os Brit Awards – tendo ganho uma delas -, e foi claramente uma asneira não ter tocado no palco principal onde, pela mesma altura, os Mogwai se passeavam sem provocar grande furor.
Loyle Carner é um daqueles miúdos que muitos pais e mães não se importariam de ter como genro. Logo depois de ter sido nomeado para um Mercury pelo seu emocional e muito bem escrito disco de estreia, Loyle entrou em modo de retribuição, lançando o Chilli Com Carner, uma espécie de escola de culinária para crianças com Distúrbio do Déficit de Atenção.
E, se há dias se falou por aqui numa masterclass de hip hop dada pelos senhores The Roots, o concerto de Spoonerism – nome de palco de Loyle – foi uma delícia para quem gosta de hip hop sem artifícios como carros desportivos, babes semi-vestidas ou anéis e colares com peso a mais. De certa forma, Loyle Carner olha para a música e para a escrita de canções da mesma forma com que o faz Nick Cave: um diário para o futuro, para quando a memória decidir pregar rasteiras ou fazer tábua rasa da existência.
Navegando entre o estreante “Yesterday`s Gone” e o recente “Not Waving, But Drowning’, disco que fala de mudar de casa ou da morte do padrasto – em temas que receberam nomes de chefs gastronómicos -, Carner partilhou com o público o nervosismo da estreia em solo português, não teve medo de se aventurar num freestyle, dedicou uma canção à mamã e ainda levou ao palco um fã que estava a quilómetros mas que, partida do destino, tinha vestida uma camisa muito floral com “Cantona” escrito nas costas – e que, pelo que conseguimos apurar, teria algo a ver com o seu padrasto. Fã que, quando subiu ao palco, roubou o microfone a Carner para se lançar no hino de incentivo a Cantona quando este estava no Man United –o célebre “Ooh Aah, Cantona!” -, conseguindo uma boa recepção junto dos muitos brits que por ali andavam. Não faltou a participação de Jorja Smith no lindíssimo “Loose Ends”, recebido com telemóveis e corações ao alto, antes de um final arrebatador com “NO CD”. Uma estreia em Carner e osso, apetece dizer.
Deve estar para nascer o dia em que os The Cure se vão espalhar ao comprido num concerto – se o desejarem podem sempre fazer um workshop com o Julian Casablancas. O que dizer de uma banda que, para além de carregar consigo o peso de uma instituição e o amor de todos os desalinhados deste mundo, serve um encore em ponto de rebuçado onde cabem, sem respirar, Lullaby, The Caterpillar, The Walk, Friday I`m in Love, Close to Me, Why Can`t I Be You? e Boys Don`t Cry? Antes do seu mega hit arrancar em modo estival, Robert Smith ainda tenta a versão acústica, recebida com algum espanto e ainda mais receio. “Talvez para a próxima”, diz divertido. É que, com eles, parece haver sempre uma próxima vez. Sorte danada a nossa.
Há quem diga que não há hora certa para se comerem batatinhas acabadas de fritar. Pois bem, a verdade é que poucas terão sabido tão bem como aquelas enfiadas goela abaixo por aqueles que não se armaram em meninos e aguentaram até quando o relógio já passava das três da matina. Depois de alguns tiros ao lado, os Hot Chip reencontraram o rumo certo com “A Bath Full of Ecstasy”, onde voltam a aquecer o azeite àquela temperatura onde, apesar do ameaço, nunca se atinge a temperatura que faz nascer a dança em comboio. Um regresso à velha-boa forma confirmado plenamente no NOS Alive, num concerto em modo DJ Set onde não faltou uma inesperada e bombástica versão de “Sabotage”, dos Beastie Boys. Estas batatas não engordam, minha gente.
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