Uma improvável série de suicídios levados a cabo por antigos soldados que combateram no Iraque, ocorridos numa zona remota do Maine – na fronteira entre os Estados Unidos da América e o Canadá -, chegam aos ouvidos de Charlie Parker, antigo detective nova-iorquino, hoje investigador privado.
Está assim lançado o mote para “Os Três Demónios” (Porto Editora, 2015), a décima aventura de Parker que nos traz de volta a acutilante escrita do irlandês John Connolly que, mais uma vez, combina ingredientes típicos de um (excelente) policial com elevadas doses de tendências sobrenaturais que se entrelaçam com alguns tiques típicos do terror.
No início tudo parece simples. Tendo acabado de reaver a sua licença de detective privado, Charlie Parker é procurado por Bennett Patchett, um conhecido patrão local que desconfia de que uma das suas empregadas – para Patchett, uma extensão da sua família – está a ser alvo de maus tratos por parte do seu mais recente namorado, o enigmático Joel Tobias. Fruto da investigação, Parker depressa identifica Tobias como um antigo veterano do Iraque que agora faz a vida ao volante de luxuoso camião e leva uma vida folgada e financeiramente despreocupada, situação que poderá estar directamente associada à prática de contrabando. Mas Parker descobre algo mais sobre Tobias: muitos dos seus camaradas de armas suicidaram-se e têm uma forte ligação ao camionista, entre eles Damien, filho de Bennett Patchett.
Aquilo que, no começo, parecia tratar-se de uma investigação normal, transforma-se num pesadelo bizantino para Charlie Parker, à medida que tenta desvendar os negócios de uma rede internacional de tráfico de artefactos roubados. Entre esses objectos está um em particular, uma espécie de caixa de Pandora, que encerra um trio de antigos demónios que podem, de alguma forma, estar relacionados com o suicídio dos envolvidos. O fim do mundo, tal como o conhecemos, estará próximo?
O cenário torna-se ainda mais negro quando surge em cena Herod, um velho macabro e implacável que, apesar de doente, obriga Parker a ter de fazer algo que nunca pensou: forjar uma aliança com o homem que mais teme no planeta, o assassino conhecido como o “Coleccionador”.
Mais do que a fronteira entre os Estados Unidos e o Canadá, “Três Demónios” quebra a linha que divide o misticismo e as motivações de um assassino, e só alguém habituado a lidar com os meandros do obscuro poderá resolver este terrível enigma.
Tal como em outras obras de Connolly estamos perante uma narrativa complexa, que “mistura” capítulos contados na primeira ou terceira pessoas, aparentemente desligados entre si e até algo descabidos da trama global. Ainda assim, o escritor vencedor de troféus literários como o Barry Award e o US Shamus Award (sendo o primeiro autor não americano a receber esta distinção) consegue unir pontos aparentemente distantes e dissonantes e transformar o décimo livro de Charlie Parker num bom companheiro de leitura.
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