Como diz a sabedoria popular, “de utopias e distopias está o inferno cheio”. No caso das distopias e aplicando a estrutura hierárquica do mundo do futebol, viajamos da primeira divisão e dos salários milionários ao insondável mundo das distritais, onde quem perde o jogo se tem de chegar à frente e pagar as bifanas e minis consumidas depois de 90 minutos muito suados.
Na história das distopias literárias, pode dizer-se que há um quarteto fantástico que está ao nível da mais bem disputada Champions League: “Nós”, de Zamiatine; “Admirável Mundo Novo”, de Aldous Huxley; “1984”, de George Orwell; e “A História de uma Serva”, de Margaret Atwood.
Na era moderna da literatura, as distopias – e suas derivações – têm servido para alimentar sobretudo a mente de muitos adolescentes e jovens (de idade ou espírito), particularmente desde que Suzanne Collins se lembrou de copiar a premissa do nipónico Battle Royalle para escrever a trilogia “Jogos da Fome”. Desde então não páram de chegar às livrarias livros habitados pela ideia de distopia, como foi o caso de “Divergente”, “A quinta vaga” e, com lançamento agendado para dia 17 deste mês, “O complexo dos assassinos” (Saída de Emergência, 2015), escrito pela jovem Lindsay Cummings.
A capa do livro, um cruzamento assumido entre Jogos da Fome e Tomb Raider, trata desde logo de preparar o leitor para o mesmo cenário encontrado no livro de Suzanne Collins: muita acção, romance e algumas reviravoltas. O resultado final, porém, está longe do patamar de qualidade conseguido por Collins.
A história tem lugar num mundo onde o Estado é totalitário e em que os indivíduos, tal como em Admirável Mundo Novo, têm um lugar pré-estabelecido de acordo com a sua origem. As duas personagens principais, que narram o livro de forma intercalada, vêm de mundos diferentes e aparentemente incompatíveis, até que os caminhos de ambos se intercedem.
Meadow Woodson, uma rapariga de 15 anos, vive num barco-casa, algures numa Florida futurística, com o seu irmão mais velho, a irmã mais nova e o pai, que a treinou para lutar, matar e sobreviver em qualquer situação. Lark, a sua mãe – aparentemente diferente daquilo que mostram os álbuns de fotografias –, está desaparecida e previsivelmente morta, mas há ainda uma sombra que Meadow terá de encontrar para saber quem realmente é.
Quanto a Zephyr James é um orfão, um programado, que trata de varrer as ruas e desempenhar todo o tipo de tarefas degradantes. Por vezes acorda em lugares estranhos, incapaz de dialogar com a sua memória, contando os dias de uma existência sem grandes motivos de contentamento.
Todos os habitantes são controlados pelo Complexo do Assassino, uma organização que segue e determina a localização de cada cidadão com extremaprecisão, impedindo-os de atravessar o muro que faze do sítio onde vivem uma gigantesca redoma. Nas ruas o sangue e as mortes são cada vez em maior número, mas o mistério persiste: qual a razão para tantas mortes? E será possível escapar para fora do Complexo?
Apesar de estar carregado de acção e de nova informação entrar a cada virar de página, faltam neste “Complexo dos assassinos” personagens credíveis, dotadas de personalidade e com sentimentos que façam o leitor sentir compaixão, ódio, admiração ou desprezo. É mais parecido com o esboço de um guião para um filme de acção do que, propriamente, com um romance com sabor a distopia. Equipará-lo aos “Jogos da fome” é, perdoe-se a gíria futebolística, o mesmo que querer comparar o Barcelona ao Carcavelinhos.
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