Estamos num lugar chamado A Pedrinha do Sol onde, no que toca à aritmética, é impossível falhar nas contas: “dez casas, uma rua estreita, um fontanário e um largo”. Casas todas diferentes entre si como, por exemplo, haver duas delas com duas chaminés e uma com três. A maior de todas elas está, porém, vazia, desde que dela saiu a Dona Cecília, uma centenária.
Em “Os Gatos da Casa Amarela” (Asa, 2019), recordamos o dia em que Cecília apagou as cem velas espalhadas no bolo de aniversário, numa festa seguida de perto por rádios, televisões e jornais, que trataram de fazer do acontecimento algo a ser partilhado com o mundo inteiro. E, também, pelos seus dois gatos que, como ela, também já não iam para novos: Matias, vinte primaveras no pêlo, que com medo de se magoar já desistiu de saltar; e Mimi, gata a viver o seu último ano de teenager, com um olho que já não abre e uma propensão acentuada para a soneca.
No dia seguinte à festança, uma queda atira com a Dona Cecília para o hospital, lançando Matias e Mimi numa aventura ao estilo dos 101 Dálmatas (só que com gatos).
António Mota oferece-nos uma história sobre a memória e a fidelidade mas, também e nas entrelinhas, sobre a desertificação de lugares remotos, alheios à litoralidade ou ao frenesim urbano, bem como ao abandono do campo perante a sedução da cidade.
As ilustrações muito coloridas de Marta Teives alternam entre as grandes panorâmicas e os grande planos, apresentando com muita expressividade todos os seres, humanos e de quatro patas, que se passeiam nesta aldeia que não queremos ver morrer, tentando que a verdade máxima aqui servida sirva apenas à finitude humana e não à sua geografia: “Mas tudo o que começa também acaba, mais cedo ou mais tarde”.
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