Para quem conhece o americano Jonathan Franzen de romances como “Correcções” ou “Liberdade”, “O Fim do Fim da Terra” (Dom Quixote, 2018) será lido com alguma estranheza, sobretudo por permitir ao leitor ficar a conhecer muitos seus dos gostos e convicções ao longo deste conjunto de textos e ensaios.
Ainda assim, o primeiro texto é puro Franzen. “O Ensaio em Tempos Negros”, talvez o melhor dos pedaços de escrita aqui reunidos, é uma afirmação pessoal contra o “eu” que domina as redes sociais, e que atirou às urtigas com o ensaio, esse “aparelho formal de introspecção honesta e de compromisso sustentado com as ideias” que, segundo ele, “está em eclipse” – mas que representa uma forma de “pararmos e perguntarmos a nós mesmos quem realmente somos e qual pode ser o sentido da nossa vida”. É também o ensaio onde Franzen se refere a Donald Trump como “o grosseirão dos dedos curtos”, certo de que sem facebook e sobretudo twitter o presidente americano não estaria, agora, na cadeira do poder. E é também o ensaio onde, à boleia das alterações climáticas, Franz introduz o tema das aves, que atravessa o livro praticamente da primeira à última página.
Regressamos a Manhattan e ao ano de 1981, ao desejo de Franzen “derrubar a economia política capitalista num futuro próximo, através da aplicação da teoria literária”, para aos poucos ir assistindo ao esbater da linha divisória da cidade entre ricos e pobres – pelo menos numa das direcções; aponta-se o dedo ao atrofiamento da empatia e da introspecção, recuperando-se a ideia de Sherry Turkle que traçou um quadro onde “as novas tecnologias tornam obsoletos os valores mais antigos”; fala-se da sua amizade com Bill Vollman, num texto onde Franzen diz que os seus gostos literários estão profundamente ligados às suas “reacções, como pessoa, à pessoa do autor”, rejeitando assim o “Steinbeck sobranceiro” e falando da problemática abordagem à obra de Edith Wharton, por isso implicar “enfrentar o problema da simpatia” de alguém que, segundo ele, mostrou falta de compaixão.
Mas fala-se, sobretudo, de aves, seja para tecer juras de amor – “Votar as aves ao esquecimento é esquecer de quem somos filhos” -, criticar o espírito destrutivo do Homem – “Muito em breve, num amanhã infernalmente sobreaquecido, chegará o dia do Juízo Final” -, criticar os seus caçadores ou apontar o dedo às instituições que as deveriam proteger. Um livro que tornará um dos grandes romancistas americanos mais terreno para os leitores que apenas o conhecem dos seus romances.
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