Como deve acontecer com muito boa gente que tira o curso de Direito, depressa Stella Tarakson percebeu que tinha dado um tiro ao lado, optando por deixar um daqueles empregos «com futuro» para mergulhar de cabeça no mundo da edição, dedicando-se a escrever livros que, até à data, são já mais de 30.
Filha de emigrantes gregos, Stella cresceu rodeada de histórias sobre a mitologia grega, tendo sido o seu amor pela Grécia que a inspirou a escrever a coleção Heróis Aselhas, da qual chegaram já às livrarias os dois primeiros volumes, que contam com ilustrações de Nick Roberts.
“Aí vem o Hércules” (Bertrand, 2019) serve de apresentação a Tim Baker, um puto que vive com a mãe numa casa atafulhada de objectos, que decididamente já terá conhecido melhores dias no que toca a assuntos de decoração. Tim é conhecido na escola por “Gata Borralheira”, isto por ajudar muito na lida da casa devido às muitas ausências da mãe, que tenta amealhar o máximo possível de dinheiro para que possam mudar de vida.
Numa dessas sessões de limpeza, Tim acaba por derrubar e transformar em cacos uma jarra valiosíssima, a última coisa que o seu pai lhe havia oferecido antes de morrer. Porém, à boa moda de Aladino mas sem a parte dos desejos, eis que de lá surge Hércules, filho de Zeus, que havia sido aprisionado por Hera, que encarna na perfeição o papel de madrasta má.
Apesar de não conceder desejos, Hércules promete a Tim ajudá-lo em tudo o que este quiser, mas parece que entre a jardinagem e o tacto para resolver questões de bullying o jeito deste deus é nulo. A juntar a isto, a mãe acha que o filho enlouqueceu e que anda a destruir o património por dá cá aquela palha – apenas o pirralho tem a capacidade de ver Hércules, por ter sido o seu libertador.
Enquanto Tim tenta ajudar Hércules a regressar à sua linha temporal, o pequeno leitor irá ouvir falar da criação da Hidra por Hera, do Leão de Nimeia, de Cérbero ou Mastim do Inferno, e até mesmo do 12º trabalho dado a Hércules pelo Rei Euristeu, que ficou nos manuais escolares registado como O Javali de Edimanto – aqui referido como Porco.
Já em “A Armadilha de Hera” (Bertrand, 2019) – cuidado com os spoilers -, assistimos ao rapto da jarra – miraculosamente reparada – por Hermes, deus mensageiro, que acaba por levar consigo o pequeno Tim Baker, tentado por Hera a trair Hércules em troca de uma riqueza ao nível de um pequeno Euromilhão.
Tim acaba por conseguir escapar e, com a ajuda de Zoe – a filha de Hércules que tem praticamente a sua idade -, tentará salvar o dia recuperando a jarra, uma vez que esta tem o poder de voltar a aprisionar Hércules. Enquanto tentam sair de uma embrulhada conhecida como um labirinto gigante por onde se passeiam temíveis górgonas – olhá-las nos olhos equivale a uma transformação em pedra -, terão a nem sempre desejável companhia de Teseu, que tem como amigos do peito um pente, um espelho e um auto-elogio permanente.
Sem entrar muito em elaborações históricas, Stella Tarakson oferece aos pequenos leitores uma visita animada à Grécia Antiga, revelando alguns dos mais fascinantes episódios e mitos em redor da mitologia grega, que mais tarde poderão explorar em livros mais para o sério. Não será uma das colecções de topo que estão disponíveis para os mais pequenos, mas ainda assim cumpre bem o seu papel de entretenimento. Uma coisa é certa: será difícil voltar a comer esparguete da mesma forma.
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