Se nos fosse proposto o exercício de associar o americano Daniel Knox a um super-herói do universo da banda desenhada, o mais provável seria escolhermos um híbrido entre a alma torturada e mergulhada nas sombras de um Batman com o sentido de humor, a ironia e o puro desplante de um Deadpool. Isto porque Knox constrói melodias mascaradas de canções de amor, onde há stalkers que aparecem pela calada, tentativas de rapto ou animais assassinados por dá cá aquela palha.
Costuma dizer-se que não se deve regressar a um lugar no qual se foi feliz, mas a verdade é que o “barítono” americano regressou quase cinco anos depois à Igreja dos Ingleses, em Lisboa, trazendo consigo o novo “Chasescene”, do qual havia já mostrado um par de temas aquando da sua estreia em Portugal. Um disco cheio de orquestrações, com convidados de peso como Jarvis Cocker, e sobre o qual o músico nos disse em entrevista (ler aqui) ter sido gravado isento de dificuldades, pretendendo agora seguir um caminho diferente, mais despido – ou, regressando ao início, mais Batmaniano mas sem contar com a guita do Bruce.
Sozinho ao piano, Knox foi intercalando a prestação vocal com o espírito de entertainer, assumindo o papel de contador de histórias que tão bem lhe assenta. Antes do primeiro disparo com “Don`t Touch Me”, teceu um elogio às casas de banho portuguesas, muito limpas segundo ele, como prenúncio a “uma canção que fala de germes que saltam de uma boca para a outra durante uma conversa”.
Knox atira com o facto de este ser apenas o 20 concerto da tour mas já se sentir de rastos: “Toda a gente me diz: pareces tão cansado!”. Fala depois, em antecipação a “Wrong Turn”, sobre conduzir do lado errado da estrada, numa canção onde alguém desce as escadas para comprar o jornal e decide continuar em frente, metro a metro, até se perder por completo.
Há tempo para se falar de viagens do tempo, tendo o músico afirmado que não apenas o fez como conseguiu, também, repetir a gracinha. Segue-se “White Oaks Mall”, canção sobre um centro comercial – que não o dos Simpsons – que tem algo de muito especial, lugar onde correm duas linhas temporais em paralelo.
Há tempo para uma das três canções de (des)amor que tem no CV, pedindo desculpa aos que vieram em busca de conforto no Dia dos Namorados. “I hope you guys make it“, diz para riso geral antes de lançar “What Have They Done To You Now”.
“Tinha nove anos quando vi a primeira rapariga nua“, numa revista que levou para casa e que, com receio de ser descoberto, acabou por a esconder algures na casa que já não habita, achando que um destes dias um rapaz ainda mais pequeno irá encontrar a mesma revista – se é que ainda não o fez. “Já nos conhecemos, podemos partilhar momentos destes“.
No meio disto tudo, será que vale a pena apaixonarmo-nos? Knox acha que sim, ainda que a coisa funcione mais ou menos como dar uma festa de arromba como se não houvesse amanhã para, no dia seguinte, ter de se lidar com a lida da casa – momento brindado com “Lovescene”.
Knox fala também da mudança física, e conta um episódio em que mudou de um quarteirão para o outro com a ajuda do carro da filha, num daqueles dias em que o S. Pedro acordou mal disposto, tendo os vizinhos aproveitado os momentos de distracção familiar para levarem algumas coisas para suas casas. “Ao longo dos anos fomos vendo obejtos nossos por trás das suas janelas“, partilha antes de “Anna14”.
“O que acham vocês do jogo e dos casinos?“. Perante a pouca adesão, Knox confessou adorar jogar às probabilidades, sobretudo quando não se encontra ninguém por perto, e mostrou especial apetência por aquelas máquinas onde se tenta tirar um peluche ou um outro qualquer objecto com a ajuda de um gancho – a garra, como ficou imortalizada no Toy Story 3 -, que normalmente são horríveis mas não conseguimos deitar fora por terem sido ganhos com tanto esforço – e moedas. “The Human Song” é a que se segue, segundo ele “sobre um outro tipo de jogo“.
Fala depois de um amigo adulto que teve enquanto adolescente, alguém que desenhava muito bem e que tinha a revista Hustler como escola gráfica. Ficaram amigos depressa e, mais tarde, esse amigo teve uma lesão que fez com que depressa se esquecesse de quem ele era, trocando conversas iniciáticas antes de a memória subitamente regressar, numa relação em que, ao mesmo tempo, eram amigos chegados e completos estranhos – uma intro perfeita a “Chores”.
Há tempo para uma canção feia, “ideal quando tens um cemitério por perto” – “Leftovers” -, antes de se falar com piada do anúncio de um qualquer fim do mundo, algures em 2005. Knox diz ter reconhecido pessoas de quando esteve em Lisboa anteriormente e agradece, mostrando um amor incondicional pela cidade e pelo país.
No encore a coisa aquece, como quando fala de uma professora pela qual teve uma paixoneta: “Não era bonita mas estava lá“. Aliás, pela sua conversa até era bastante feia, com sobrancelhas coladas e vestidos que podiam ter sido feitos a partir de cortinas. “Mrs. Roth” foi uma canção escrita para ela.
Termina-se falando da memória e da falta dela, com uma “canção verdadeira” chamada “Me and My Wife”, tendo Knox voltado a jurar o amor à Lusitânia, dizendo que nunca se sentiu tão bem recebido em nenhuma outra parte do globo. You are so much welcome, Mr. Knox.
Fotos: Madalena Pintão.
Promotora: Nariz Entupido
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