Na corrida de fundo da música moderna portuguesa, Surma corre numa pista à parte. A sua sonoridade alienígena, exótica e sedutora, não tem paralelo no nosso país. A leiriense afirmou-se definitivamente com o primeiro disco, “Antwerpen”, corria ainda o ano de 2017, e o álbum foi combustível para muitas viagens, apresentações e concertos à volta do mundo, com uma crescente visibilidade.
Foi ainda com este disco na bagagem que a multi-instrumentista rumou ao Pequeno Auditório do CCB, esta sexta-feira, 1 de Março, na véspera de uma importante apresentação na final do Festival da Canção.
Chamava a atenção uma parafernália de instrumentos a ocupar o palco. A primeira a entrar em cena foi a convidada especial Joana Guerra, que deu o mote inicial com o seu violoncelo. Criou-se uma atmosfera soturna, tensa, antecipando o aparecimento de Débora Umbelino – a Surma – para tocar a planante “Saag”, aqui numa versão mais ritmada, com o violoncelo a compor apontamentos abstractos.
A sala estaria com a lotação pela metade, mas a actuação não se ressentiu com isso. Surma surgiu sempre sorridente, muito comunicativa, como se estivesse a tocar para um grupo de amigos em sua casa.
A música seguinte foi “Miratge”, com uma curiosa intro com campainhas sampladas, e logo a seguir uma delicada versão de uma música de Agnes Obel, “Just So”. Surma é muito expressiva ao vivo – movimentos bruscos, olhares, sorrisos escancarados, tudo reflecte a intensidade e entrega que a artista coloca na sua música.
“Hemma” foi servida por um frenético jogo de luzes que realçou a beleza da música, seguida da sensual “Kismet”. Regressa então a Joana Guerra para uma bela versão de “Maasai”, com Surma na guitarra em diálogo animado com o violoncelo.
Após um improviso atmosférico, Surma revelou que ia tocar uma música mais pesada – a velhinha “Wanna Be Basquiat” -, que se revelou um dos pontos altos da noite. Empunhando um baixo telúrico, Surma mostrou que também há muito rock n’ roll no seu som, deixando a sala a estremecer como se sacudida por um vulcão.
Tempo para mais uns convidados especiais – desta vez a banda Jerónimo, que Surma apelidou de “os seus irmãos mais velhos” com um sorriso bem-disposto. Juntos tocaram uma bem conseguida versão de “Drög”, contaminada por um ritmo pop de bater o pezinho.
Houve ainda lugar para o tecno subterrâneo de “Nyika” e para a descarnada “Uprunni”, tocada ao vivo pela primeira vez, com a ajuda dos Jerónimo e da Joana Guerra numa espécie de Jam Session. Termina a setlist mas o público pediu mais uma, e Surma acedeu: regressa ao palco sozinha, servindo-se dos loops com mestria para repetir vozes, guitarra e baixo numa composição minimalista.
É bom ver que o nosso pequeno país não deixou de fabricar artistas verdadeiramente originais e interessantes – e Surma é disso um excelente exemplo, como ficou provado esta noite.
Galeria fotográfica (fotos de Luís Miguel Andrade)
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