Amesterdão, Igreja Velha, 14 de Janeiro de 1687. «Previa-se que o funeral fosse uma cerimónia discreta, porque quem morreu não tinha amigos.» É desta forma que tem início “O miniaturista” (Editorial Presença, 2015), romance de estreia da inglesa Jessie Burton que, numa questão de meses, se tornou um bestseller do New York Times, levou para casa o Specsavers National Book Award Best New Writer of the Year e foi considerado o Livro do Ano da Waterstones.
A história está centrada em Nella Oortman – ou Petronella -, uma adolescente de 18 anos que chega à grande cidade para abraçar um casamento em forma de contrato – o melhor que conseguiu para fugir à miséria – com Johannes Brandt, de 39 anos, um dos mais ricos habitantes de Amsterdão, dedicado à exportação e importação de produtos.
Nos dois últimos anos da sua ainda curta vida, Nella havia abdicado da sua adolescência e meninice, estudando arduamente para se tornar uma senhora de boas maneiras, assumindo o papel de mercadoria à venda para satisfazer os caprichos de um homem rico que estivesse disposto a pagar um dote.
Entre a amabilidade distante do marido – que raramente se encontra em em casa e está longe de partilhar o leito conjugal – e a presença controladora e repressiva de Marin, a cunhada, Nella vai aos poucos sufocando no luxo sumptuoso mas pouco acolhedor da sua existência, até que o marido lhe oferece uma réplica, em miniatura, da casa onde vivem.
Depois da renitência – «…é um monumento à sua impotência, à sua condição refém de mulher» -, Nella decide encomendar umas peças a um miniaturista com um anúncio publicado num jornal local. Porém, algo de surpreendente acontece: novas encomendas de miniaturas continuam a chegar mesmo sem terem sido pedidas por Nella, réplicas perfeitas de cada um dos habitantes da casa – incluindo Otto, o criado pessoa de Johannes de pele castanho-escura e Cornelia, a criada – e, assustadoramente, presságios silenciosos de tragédias e segredos que esperam a sua hora de entrar em cena. «É como se o miniaturista tivesse uma janela perfeita e provada sobre a sua vida.» Apesar do pânico, Nella não consegue viver sem essas pequenas peças, talvez os únicos objectos que conferem à sua vida insípida alguns raios de felicidade.
Jessie Burton constrói uma história de amor e traição que evoca, entre a sensualidade e o assombro, a atmosfera da Amesterdão do século XVII, construída sob os pilares da riqueza da Companhia Holandesa das Índias Orientais mas, ao mesmo tempo, dominado por uma mentalidade puritana, racista, e castradora dos sentimentos humanos.
É, igualmente, uma homenagem às mulheres que viveram as suas vidas no silêncio e no medo e que tinham, em pequenas casas e figuras de madeira, o seu único e solitário mundo. Um mundo onde os homens eram os únicos criadores e o sexo, normalmente, era apenas dor. A mensagem de esperança, contudo, habita estas páginas: «Somos a esperança de uma tapeçaria; ninguém a tecerá a não sermos nós próprios.»
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