Responda rápido: Qual o livro cuja história gravita em torno de uma famosa pintura de Da Vinci, tem como personagens um professor com espírito aventureiro, uma bela e inteligente mulher, um frio assassino e um religioso com a alma comprometida, num thriller que se desenrola entre assassinatos, teorias da conspiração e traições? Se respondeu “O Código Da Vinci”, do norte-americano Dan Brown, acertou. Mas caso respondesse “A Última Ceia” (Cultura Editora, 2019), do português Nuno Nepomuceno, também estaria correto.
O sexto livro do autor, o segundo com a chancela da Cultura Editora, é uma aposta arriscada. Há sempre a hipótese de um fã de Dan Brown revisitar as teorias que envolvem Leonardo Da Vinci e um de suas mais famosas pinturas, no caso, a emblemática A Última Ceia, que empresta o nome ao título.
Por outro lado, “O Código Da Vinci” foi um dos maiores sucessos da história da indústria literária, capaz de arrastar em sua imensa cauda uma infinidade de outros produtos, facilmente identificados com as palavras “código” ou “Da Vinci” nos títulos, o que torna difícil crer na possibilidade de se ler algo realmente fresco a respeito.
Mesmo que a trama de “A Última Ceia” se descole das teorias da conspiração em torno da pintura de Da Vinci e concentre-se no charmoso mercado internacional de roubo de obras de arte, há sempre uma incómoda sensação de déja vu, como se o simbologista Robert Langdon estivesse prestes a surgir nas páginas.
Dan Brown é uma presença tão incontornável que Nuno Nepomuceno viu-se obrigado em citar o autor norte-americano no livro. Mais que um tributo, uma maneira de indicar estar ciente do risco que correu em escolher escrever (mais) um thriller envolto pela atmosfera que ronda o mítico artista italiano.
Correr riscos não é um problema para Nuno Nepomuceno, que divide a vida de escritor com a de controlador de tráfego aéreo, ou seja, está acostumado a ter a vida dos outros na mão, isso não apenas em relação aos seus personagens. Enfrentar um fantasma como o de Dan Brow, então, não deve realmente assustá-lo.
Uma forma de se demarcar em “A Última Ceia” foi a escolha por uma narrativa, digamos, menos “aeróbica”. Dan Brown exaustivamente coloca os personagens a correr, saltar e pular, enquanto Nuno Nepomuceno equilibra a ação com salutares pausas reflexivas e existenciais, propiciando aos atores da trama um perfil mais humanizado.
Esse fluxo de consciência faz do livro um thriller também psicológico. Para se ter uma ideia, após a cena de ação inicial, a primeira morte leva quase 200 páginas para ocorrer, o que no caso de Dan Brown já era tempo para o quádruplo de vítimas, além de meia-dúzia de perseguições, troca de tiros e algumas explosões.
Com tanta agitação, Dan Brown abre mão de um aspeto importante numa trama, o qual Nuno Nepomuceno resgata com a narrativa humanizada: o sexo. Se Robert Langdon não teve tempo para dormir com as belas companhias em todas as sequelas, em “A Última Ceia” o sexo está liberado, até para demarcar o caráter das personagens.
As diferenças param por aí e assim como a imensa maioria dos thrillers, “A Última Ceia” investe nos capítulos curtos e os cenários luxuosos em cidade turísticas, como Milão, Como, Lisboa e Londres. Nuno Nepomuceno também fez a tarefa de casa da pesquisa histórica e revela informações curiosas, conforme pede o métier do género.
Para os fãs do género e das teorias conspiratórias que envolvam Leonardo Da Vinci, “A Última Ceia” entrega o prometido como thriller. E se durante a leitura surgir a impressão de ser mais do mesmo, como numa ideia roubada, lembre da frase citada pelo próprio autor nas primeiras páginas, atribuída a Picasso: «Os maus artistas copiam. Os bons roubam».
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