Apesar de ter sido editado originalmente em 1997, o livro que relata as primeiras aventuras do carismático inspetor da Brigada Anti-Crime de Oslo, Harry Hole, tardava a ter tradução para português.
Tal como se passou em outros quadrantes, os fãs nacionais de policiais (e não só) tiveram o primeiro contacto com a criação de Jo Nesbo aquando da publicação de “O Pássaro de Peito Vermelho”, o terceiro tomo da saga.
Após uma longa espera, “O Morcego” (Dom Quixote, 2015) chega finalmente às livrarias e, nele, Nesbo mostra um Harry Hole de alma carregada e algo “imberbe”, num cenário atípico: Sydney, Austrália.
O facto de Hole estar fora da sua Oslo natal não é novidade (muita da acção dos livros da série Harry Hole é passada fora da Noruega) e esclarece ao leitor a tendência de Nesbo em colocar o detetive fora do seu ambiente, algo que confere sempre à trama um sentimento de descoberta por parte do principal protagonista.
Em forma de “baptismo literário”, Hole aterra na Austrália como um objectivo: investigar o homicídio de Inger Holter, uma norueguesa de 23 anos, em tempos uma celebridade televisiva na Noruega, que se apaixonou pelos antípodas. Para tal, Harry vai ter de colaborar com as autoridades locais e, missão principal, tentar manter-se longe de problemas.
Mas Hole está longe de aceitar um papel de mero observador na investigação. À medida que o puzzle começa a ganhar forma e as suspeitas que Inger foi mais uma vítima de um serial killer que actua em território australiano, o norueguês trava amizade com Andrew, um dos detectives responsáveis pelo caso que esconde, também ele com um passado envolto em acontecimentos dramáticos e violentos. À semelhança de Hole, Andrew é um sobrevivente.
Mais do que atormentado pelos fantasmas resultantes da morte das mulheres louras, Hole continua a lutar contra um passado que teima em assombrar o presente. Harry, busca, no meio do caos, uma forma de equilíbrio social e emocional, e tal parece assentar que nem uma luva na pessoa de Birgitta, ex-colega de Inger, outra nórdica que lançou amarras em Sydney e trabalha no Albury, um bar local.
Este elemento romântico, pouco explorado nos outros livros de Nesbo, confere mais humanidade a Hole e atribui profundidade a toda a trama. Ficamos assim a conhecer mais detalhes sobre o interior do inspector norueguês e, à medida que a narrativa avança e se torna mais acutilante e interessante, mais prazer dela retiramos.
Ainda que “O Morcego” não seja uma obra-prima – essas chegariam mais tarde com, por exemplo, “O Boneco de Neve” ou “O Leopardo” -, Nesbo consegue um argumento muito sólido, enquanto contextualiza a história da Austrália e as lendas da cultura aborígene de forma exímia e sublinhada com um toque de humor (por vezes negro).
A forma como vamos conhecer a identidade do assassino está também muito bem delineada e, sem que tal seja uma revelação, surpreende e faz todo o “sentido”. Ainda assim, o final do livro parece muito apressado, precipitado. Será que Jo Nesbo estava impaciente para escrever nova aventura de Hole, ou Holy, como lhe chamam os australianos?
Aconselhado aos amantes de thrillers e policiais oriundos da Escandinávia, “O Morcego” é um livro interessante que faz(ia) nascer um dos mais fantásticos personagens da literatura contemporânea.
Ainda com algumas arestas por limar, algo que Nesbo fez com mestria dos romances seguintes, o primeiro tomo da série Harry Hole é como um diamante em bruto, acabando por ser editado na altura ideal, como uma espécie de “prequela” que ajuda a conhecer mais a fundo Harry Hole, algo que pode – e deve – ser complementado com a edição portuguesa de “Cockroaches”, o segundo livro da série.
1 Commentário
Adorei o livro, e acho que irei continuar sim lendo os outros livros da série, ainda bem que estão publicando aqui, pq quando li a primeira vez ainda era tradução amadora e não uma publicada.