Prisões, jejuns, alterações de regime alimentar, celibato e desobediência civil são tudo palavras e termos que associamos a Gandhi, porventura a mais fascinante e controversa personalidade indiana de todos os tempos.
Uma figura que serve de mote a “Gandhi: Fotobiografia” (Editorial Bizâncio, 2018), de Pramod Kapoor, que logo a abrir explica os perigos ligados à actividade editorial – noutras latitudes que não a nossa -, referindo-se à morte de um amigo norueguês, baleado por publicar uma tradução dos Versículos Satânicos. Pramod Kapoor que foi, também, a tribunal por publicar uma edição do Kamasutra, mesmo que os desenhos tivessem já centenas de anos.
Kapoor recusou, porém, qualquer ideia de medo nesta publicação, algo a ter em conta pelo facto de, além do enaltecimento da figura de Gandhi, não esconder do leitor “os seus lados sombrios”, revelados acima de tudo na sua relação com a família, apresentando aqui “o homem, o cruzado, o marido, o pai, o líder e político”.
O autor fala-nos de uma personagem complexa, de alguém com um carácter complexo e cheio de contradições, interpretado de forma sempre diferente a cada década que vai passando: “Mestre na resolução de conflitos, forjava acordos com os seus críticos mais ferozes, mas conseguia ser extremamente ditatorial quando lidava com os seus familiares mais próximos ou com os seus seguidores. Cedia frequentemente perante os adversários quando visava soluções pacíficas, mas forçava a sua afectuosa esposa ou os seus seguidores a agirem contra os seus próprios desejos. No auge do movimento khadi, quando Gandhi exortou toda a gente a boicotar a roupa estrangeira, a mulher, Kasturba, queixou-se de que não conseguia usar um sari khadi e cozinhas – era demasiado pesado para as tarefas que tinha de fazer – e pediu autorização para usar qualquer coisa mais leve. Gandhi ficou tão zangado que disse à mulher que deixasse de cozinhar porque não comeria nada que ela cozinhasse enquanto vestia roupa profana”. No mínimo polémico foi também o facto de dormir nu com algumas mulheres que lhe eram próximas, incluindo uma sobrinha-neta adolescente. Ou, também, de ter escrito cartas a Hitler – nunca entregues – ou se ter encontrado com Mussolini, que descreveu Gandhi como “um talhante”.
Polémicas e contradições à parte, o livro mostra sobretudo o lado cativante e inspirador de Gandhi, seguindo uma ordem cronológica e falando de movimentos importantíssimos para a independência da Índia perante o colonizador britânico, como o movimento não-violento Satyagraha ou um outro que apelou à não-cooperação com as autoridades, que ganhou um peso nacional.
Começando com uma cronologia e uma árvore genealógica, esta fotobiografia tem uma citação a anteceder cada um dos capítulos em que está estruturada, que apresenta o título escolhido do mesmo e o período temporal que abarca. Um livro numa bela edição de capa dura, com fotografias suficientes para encher um álbum fotográfico, a que se juntam também vários documentos e cartas privadas.
Pramod Kapoor é o fundador e editor da Roli Books e um apaixonado pela fotografia. Em 2016, recebeu as prestigiadas insígnias de Chevalier de la Légion d`Hommeur, a condecoração máxima tanto civil como militar em França, pelo seu contributo para a publicação de livros que alteraram a paisagem editorial na Índia. Este seu primeiro livro como autor é o resultado de anos de pesquisa sobre um assunto que tomou como missão: revelar Gandhi às gerações actuais.
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