“Coisas que Acontecem” (Bruaá, 2018), de Inês Barata Raposo, é o título do texto vencedor da modalidade juvenil da 9ª edição do prémio Branquinho da Fonseca. Trata-se de um prémio promovido pela Fundação Calouste Gulbenkian com o semanário Expresso, cujo objectivo é incentivar o aparecimento de jovens escritores de literatura infantil e juvenil.
Coisas que acontecem é uma “história que começa. Não é um fim qualquer, é o fim de uma coisa má. O que só pode ser bom”, despertando a curiosidade para uma narrativa bem estruturada e arrojada, oscilando entre elipses e analepses, conflitos, dúvidas, angústias, tristezas e alegrias próprias de uma adolescente. Saltando de tema em tema, num ritmo enérgico, vamos acompanhando os temperamentos da narradora adolescente. Não se deixem iludir, pois “isto não é um diário”. O que será então? Talvez uma conversa, entre leitor e uma adolescente, que talvez saiba mais da vida do que nós pensamos. Mas será que este livro é apenas uma conversa ou será muito mais?
A protagonista relata-nos episódios da sua existência, dos seus dias na monótona “Cidade Mais Bege”, e dos acontecimentos em torno da Primeira Grande Zanga, entre as duas amigas, que se assume como epígrafe do livro. A inquietude dos jovens também se prende com a descoberta “que podemos ter mais do que uma família. Juntamo-nos uns aos outros conforme o grau de esquisitice”. A inquietude cresce juntamente com os pesadelos e expectativas, sonhos e desilusões: “Nunca sonhei ser violinista numa orquestra. Nunca sonhei ser violinista numa orquestra. Nunca sonhei ser violinista numa orquestra. Quantas vezes temos de repetir uma frase para que ela se torne verdade?”.
A vida de uma adolescente é marcada pelos momentos vividos na sala de aula, nos corredores da escola, pelas conversas de casa de banho ou na sala de convívio, apesar de chamar-se “àquele sítio sala de convívio, mas ali convive-se muito pouco. Entre mesas de matraquilhos carecas, pingue-pongue e cadeiras semidestruídas, não sobra muito espaço para conviver. Como na selva, o território está muito bem delimitado”.
Os momentos de insónia tornam-se delirantes, mesmo quando se imagina a própria morte: “…imaginava o que aconteceria se eu morresse e isso ajudava-me a adormecer. Pensava nas insónias como um miúdo que encontra um corpo no meio do bosque e lhe dá uns toques com um galho para ver se está mesmo morto. O corpo era eu“. A morte é pensada, imaginada, mas também é sentida: “…a minha avó tinha morrido, e não havia nada que eu pudesse ter feito para o evitar”.
Acompanhamos a protagonista com grande empatia ao longo das suas reflexões e desabafos irónicos e bem-humorados. A empatia com o leitor é reforçada, no final do livro, com um agradecimento: “mesmo sem darem conta, vocês ajudaram”.
As magníficas ilustrações de Susa Monteiro são marcadas pela simbologia da cor. Os tons de azul e branco acompanham a narrativa assumindo um papel importante no ritmo, marcando o início de cada capítulo. O verde surge nas guardas e, algumas vezes, no final dos capítulos, transmitindo uma outra mensagem.
Inês Barata Raposo estudou Comunicação, Edição de texto e Artes da escrita na Universidade Nova de Lisboa. Em 2017, o seu conto Uma Maçã por Dia foi escolhido para integrar a antologia A Criança Eterna, editada pelo Centro de Estudos Mário Cláudio.
Susa Monteiro estudou Realização Plástica do Espectáculo na Escola Superior de Teatro e Cinema de Animação no CITEN. Trabalhou como figurinista e aderecista até 2005, ano em que passa a dedicar-se à ilustração e à banda desenhada. Tem ilustrado livros para todas as idades e em várias editoras. Também ilustra regularmente para a imprensa.
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