Na década de 40, em plena Segunda Guerra Mundial e depois do primeiro Blitz lançado sobre Londres, um grupo de rapazes universitários estabelece relações que, em tempos dito normais, não estabeleceriam ou não teriam tanto impacto, não fosse a ameaça constante e o clima de incerteza face ao futuro.
O grupo de Evert Dax, presumivelmente gay – nunca é mencionado dessa forma -, é também o mesmo de Peter Coyle, pintor, e de Freddie Green, leitor inveterado. Juntos mantêm uma amizade pautada por algumas peculiaridades, na qual se inclui um clube de leitores – e, claro, uma estranha admiração por David Sparsholt, o novo rapaz que apareceu em Oxford.
“Era a comédia da competição que me instigava e não propriamente um interesse intrínseco pelo homem com quem decidira meter conversa“. A forma como Peter coloca a admiração por Sparsholt é, talvez, o que manterá o leitor interessado até final do primeiro capítulo, tentando perceber, entre Peter e Evert, quem conquistará a atenção de David.
Se, com as conversas sobre o clube das primeiras páginas de “O Caso Sparsholt” (Dom Quixote, 2018), nos lembramos da aura de “O Clube dos Poetas Mortos”, ao fim de cem páginas já se olha para o grupo no espírito da “História Secreta” de Donna Tartt, tentando descortinar onde irá parar este enredo que, através de uma narrativa envolta em mistério, parece propositadamente não querer esclarecer, evitando sempre encontros ou resoluções “(…)num misto turvo de culpa inesperada e excitação“.
“Uma figura tão imparável era alarmante e, ao mesmo tempo, magnífica. Abrandei o passo, mas não lhe disse adeus; e ele ia no seu próprio mundo e, além disso, era demasiado tarde. Foi em duas aberturas sucessivas que o vi (…) como um homem numa fotografia de Muybridge, em movimento exemplar: primeiro aqui, depois ali, depois em lado nenhum, como que engolido pelo seu próprio ímpeto.”
Talvez o leitor se sinta, também, engolido quando atinge o segundo capítulo – “Atalaia” -, percebendo que a acção e os personagens mudaram. A expiação que a narrativa tem pode ser uma metáfora para a época, onde todos temiam todos e se observavam secretamente ou, mais uma vez, descentrar o leitor da tal amizade inesperada e misteriosa da qual tanto quer saber. Talvez o autor queira deixar o leitor “de atalaia“, de focinho empinado, procurando perceber a morte sobre a qual ouviu falar no primeiro capítulo, avançando depois por “Pequenos quadros a óleo”, o terceiro capítulo, onde o sentimento continua a ser o de deriva, num enredo onde, muitas vezes, se torna necessário regressar às primeiras dezenas de páginas e a uma frase que se lê como um prenúncio, um teste para os potenciais leitores de Alan Hollinghurst: “Impressionou-me, embora não fosse propriamente uma leitura agradável; a minha consideração pelo texto tinha uma quota-parte de consideração por mim próprio, por ter chegado ao fim e conseguido perceber qual era a ideia”.
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