Há muito tempo atrás, as águias eram donas do mundo, roçando as asas na água em instantes onde tudo parecia fluir. Até que deixou de chover, o rio emagreceu e, das nuvens, não caía nem uma gota. A partir de então, “o voo das águias não mais se espelhou nas águas”.
A sede passou a dominar, as árvores e os animais adoeceram e as águias começaram a morrer. A mais velha das águias decidiu enfrentar de asas abertas aquela desgraça, indo ao seu próprio nome devorar a letra “i”, transformando-se assim em água e fazendo, dos seus pares, devoradores de letras, que ingenuamente “acreditavam que as letras as curavam de morrer”.
Em “A Água e a Águia” (Caminho, 2018), Mia Couto diverte-se a brincar com as letras, num livro onde o “i”, por exemplo e no bico das águias, tanto pode ser “um pau espetado no abecedário” como “um dançarino de chapéu alto”. A mensagem, essa, é toda ela poética e pré-Guttenberg: “A terra aprendeu a ler muito antes de nascer o primeiro livro”.
As ilustrações de Danuta Wojciechowska são quadros que bebem a linguagem poética de Mia Couto, uma parceria que vai já em cinco álbuns ilustrados – e que aqui ilustra um livro sobre a água, que corre livremente na escrita do escritor moçambicano.
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