Afinal, o que é uma obra de arte? Para que serve a arte? O que é a pintura? Para encontrar possíveis respostas teremos de ler “Helena Almeida” e “Amadeo de Souza-Cardoso” (Barca do Inferno, 2018), onde encontramos brevíssimos apontamentos para o enquadramento histórico e pistas várias para satisfazer a curiosidade e desvendar segredos, em paralelo com uma excelente ilustração.
“Maria Helena” retrata o trabalho artístico de uma pintora ímpar, que constrói “pinturas tridimensionais, com comprimento, altura e largura”, fazendo-nos questionar as (im)possibilidades da pintura. A artista ensina-nos que as possibilidades são inúmeras e que o espaço da tela é diminuto, utilizando a fotografia como forma de repensar e prolongar “os limites da obra”, tendo o corpo e a cor um grande impacto nas suas criações artísticas.
O corpo manifesta-se cruzando várias práticas artísticas, surgindo como a origem de toda a criação. Daí nasce a obra, daí nasce a arte. O corpo está sempre presente “dentro de um espaço: um corredor, uma parede, o chão, ou mesmo o espaço criado pelo próprio corpo”. A desconstrução do espaço, o lugar da artista dentro, fora ou nos limiares deste espaço, surge como enquadramento conceptual da obra artística de Helena Almeida, sempre explicado, aos jovens, de forma simples e rigorosa. A artista e o corpo são a própria pintura: “A minha pintura é o meu corpo”.
A tinta azul, feita manualmente, transmite “duas ideias fundamentais espaço e energia”. As ilustrações, de página dupla, realçam o azul, a cor espacial. Azul é espaço. É como engolir a pintura, é pôr espaço na pintura, tal como ilustrado numa das páginas.
Em “Amadeo de Souza Cardoso” descobrimos o esprito inquieto, o olhar atento e o prazer do desenho intrínseco ao artista que o conduziu a Paris, onde “descobre a sua grande paixão: a pintura. Será no encontro entre as suas raízes portuguesas de Manhufe e o grande centro cultural e artístico da época que irá nascer a sua obra”.
Será na efervescência do meio artístico parisiense que o seu destino muda radicalmente. O contacto com grandes artistas como Picasso, Braque, Robert e Sonia Delaunay abre-lhe o caminho da pintura. Rompe com “a tradição” e cria um novo caminho, onde “as linhas simplificadas e ondulantes”, as cores fortes e vibrantes como “amarelos, azuis e vermelhos que o pintor coloca lado a lado, minuciosamente, valorizando ao máximo os tons”, são o início de novos entendimentos e olhares da realidade, onde novas técnicas e experiências marcam o seu processo criativo. Amadeo dá, assim, os primeiros passos no “processo de reprodução através de chapas de zinco permitia utilizar apenas uma cor. Amadeo teria, de mostrar a mestria do seu trabalho apenas com o preto da tinta-da-china e o banco do papel”.
“Se o importante na arte não é a imitação da natureza, será possível eliminar o tema e pintar pensando apenas nas formas e nas cores?”. Para compreender melhor a obra de Amadeo não podemos omitir a importância do cubismo e do futurismo no seu percurso artístico, surgindo daí a necessidade de pensar o movimento. A sua obra é marcada por elementos geométricos e linhas encurvadas e coloridas.
Amadeo privilegia as palavras dinamismo e velocidade, a ideia é a da “representação das várias perspectivas do mesmo objecto”. A elegância, mistério, imaginação, emoção e simbolismo habitam nas suas telas.
As ilustrações, em ambos os livros, são inspiradas nas obras artísticas dos pintores, respeitando a originalidade e as cores utilizadas pelos artistas, num diálogo entre texto e ilustração harmonioso e ritmado.
“Helena Almeida” e “Amadeo de Souza Cardoso” são livros que homenageiam dois grandes vultos da pintura portuguesa, onde os jovens leitores poderão saciar a curiosidade e ampliar os seus conhecimentos sobre pintura, sendo que, como lemos no final de ambas as obras, “a leitura deste livro não dispensa o contacto directo com as obras de arte”. Aceitemos o desafio e descubramos as maravilhosas obras destes artistas nos museus nacionais e internacionais. Fica o convite.
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Helena Almeida e Amadeo de Souza-Cardozo são apresentados numa edição bilingue, com texto de Mafalda Brito e ilustrações de Rui Pedro Lourenço.
Mafalda Brito nasceu em Leiria e licenciou-se em História de Arte. Colaborou com o centro de arte moderna da Fundação Calouste Gulbenkian.
Rui Pedro Lourenço nasceu em Leiria, estudou pintura no Ar,Co em Lisboa. Trabalhou em jornais e livrarias. Dedicou-se à ilustração. Em 2012, Mafalda Brito e Rui Pedro Lourenço criaram a editora Barca do Inferno.
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Helena Almeida nasce em Lisboa em 1934 e vive no mundo da arte desde sempre. Estuda pintura na Escola Superior de Belas-Artes da Universidade de Lisboa e, depois de uns anos dedicada à família, parte para Paris com uma bolsa da Fundação Gulbenkian. Representou Portugal nas bienais em São Paulo (1979), duas vezes em Veneza (1982 e 2004) e ainda em Sidney (2004).
Amadeo de Souza Cardoso nasceu em Manhufe, Amarante, em 1887. Em 1905 parte para Lisboa com a intenção de seguir o curso de Arquitetura, viajando, no ano seguinte, para Paris. A cultura parisiense afasta-o da Arquitetura e dedica-se ao desenho e à pintura. Em 1916, Amadeu promove, primeiro no Porto e depois em Lisboa, duas exposições individuais onde reúne o seu trabalho. Estas mostras são recebidas com hostilidade e desconfiança pelo público que não estava preparado para aprender e apreciar as propostas modernistas. Amadeo morre em Espinho, em 1918, vítima de epidemia pneumónica.
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