Nunca, como há vinte e tal anos atrás, o mercado das camisas aos quadrados esteve tão em alta. Entre visitas a lojas de marca e em segunda mão ou a armazéns dedicados exclusivamente à pesca, tudo valia para encontrar a mais perfeita de todas, usada sempre aberta para deixar respirar a T-Shirt e, para aqueles que levavam a coisa mais a sério, o indispensável cabelo comprido, com tamanho suficiente para o usar solto ou num estiloso rabo-de-cavalo.
Um fenómeno de vestuário que atravessou praticamente todo o globo, tudo graças a uma cidade americana e a um movimento musical que ficaram registados nas melhores enciclopédias musicais. Falamos do grunge e da cidade de Seattle, berço criativo de bandas como os Mudhoney, Alice in Chains, Soundgarden, Sreaming Trees, Nirvana ou, num nível ligeiramente mais fofinho, os Pearl Jam. Até porque, se pensarmos nos anteriores nomes, a vida não correu lá muito bem a gente como Layne Staley, Kurt Cobain ou Chris Cornell, tendo os Pearl Jam mantido uma vitalidade que parece ter sido arrancada ao seu “Vitology” e que, a brincar a brincar, já leva uns bons anos.
A banda americana regressou a Portugal vinte e dois anos depois da sua primeira vez, servida no Dramático de Cascais no ano de 1996 em dose dupla e esgotada. Precisamente o mesmo cenário do derradeiro dia do NOS Alive, ainda que, desta vez, fossem poucas as camisas aos quadrados ou o apelo ao surf crowd, substituídos antes por T-Shirts com bonecos mais recentes e, quase sempre, de medidas mais largas.
A verdade é que nem o fã mais confesso de Pearl Jam esperaria um concerto como este, com um sumarento alinhamento que, ao invés de privilegiar o lado mais baladeiro da banda – e também as houve -, se atirou de cabeça e sem qualquer medo de a partir. E o que dizer de Eddie Vedder que, se por vezes parece aquele tipo que nos aborda na rua tentando dizer algo sem puto de sucesso, esteve esta noite absolutamente incrível, afinado tanto quando teve de berrar como quando o que se pedia era simplesmente cantarolar?
Foi, de todos os concertos que passaram pelo palco principal nesta edição do NOS Alive, aquele onde imperou, senão o silêncio, pelo menos uma boa dose de respeitabilidade, algo ainda mais extrapolado quando Eddie Vedder, para além de ter chegado a debicar aquilo que parecia ser uma garrafa de tinto nacional, se fartou de usar cábulas em português, não importando se era ou não macarrónico.
É certo que tivemos “Low Light” e “Better Man” a abrir devagarinho, mas desde logo o termómetro foi subindo com clássicos como “Corduroy”, “Even Flow” e, também, centelhas quase punk como “Mind Your Manners” e “Do The Evolution”, num concerto que mostrou que os Pearl Jam, ao contrário dos seus pares – viram uma tristeza chamada Alice in Chains? -, continuam a passar com distinção o seu legado, numa nostalgia que faz parte do presente e não cheira a naftalina. Ok, também tivemos uma cover algo manhosa de “Confortably Numb”, mas houve também sangue, suor e lágrimas – e recados políticos antes de um hino colectivo intitulado “Imagine” -, por exemplo, em “’Rockin’ in the Free World’, o clássico de Neil Young que os Pearl Jam adoptaram como seu e que, nesta noite, contou com Jack White na guitarra. Por falar em guitarra, uma standing ovation para Mike McCready que, no que toca à arte do solo, consegue ombrear na boa com Jimmy Hendrix, e isto sem precisar de ácidos ou de fazer saltar gatos de dentro da caixa com cordas. Serão os Pearl Jam a maior banda do mundo? Caraças, esta noite foram-no certamente.
Outros destaques
Só faltaram flores, um prado e o sol a morder a pele para que a Primavera dos Real Estate tivesse feito das suas. “It`s Real” foi aquele momento raro em que o pólen subiu colectivamente às narinas, numa tarde dedicada a apanhar flores e a tratar de esquecer o peso do mundo.
Os Franz Ferdinand são uma das bandas mais esforçadas do planeta, uma daquelas que não aceita um não como resposta. É verdade que a fogosidade mostrada há década e quase meia amansou um pouco, mas nem por isso estes escoceses mostram querer chegar mais cedo à reforma. Do novo “Always Ascending” retiraram as malhas mais indutoras ao abanar de anca, servidas em modo greatest hits e com muito nervo e paixão. Alex Kapranos continua bem estiloso e um mestre na arte das RP`s, lançando o bombom no momento certo: “Estão comigo, NOS Alive? Porque eu estou com vocês“. Estivemos todos, e foi por pouco que Algés escapou ao grito de guerra “burn this city!”
Jack White é um verdadeiro pintas, um daqueles rockers que acha que inventou a pólvora antes de todos os outros. É certo que não, mas quem conseguiu sacar “Seven Nation Army”, essa malha intemporal dos White Stripes que toda a gente conhece como se fosse uma canção de embalar – os Pearl Jam atiraram-se a ela algumas meias horas mais tarde – e ainda tem a lata de se despedir com um “Vocês foram incríveis e eu fui o Jack White”, merece uma estrela no passeio do rock. É bem verdade que depois dos White Stripes o encanto de White jamais foi o mesmo, mas um set escolhido a dedo, com temas de Raconteurs, Dead Weather e o melhor dos seus discos a solo, fez com que o tempo de espera até Pearl Jam não parecesse uma maratona.
Os MGMT assinaram um concerto bem castiço, que começou já perto das três da manhã – isto quando a debandada já se tinha dado e muito boa gente já se encontrava na caminha, às voltas no viaduto ou no falso relvado a rever os melhores momentos dos Pearl Jam. A banda, que tem o estatuto invisível de bad boys da pop, revisitou alguns clássicos e serviu de bandeja os temas synth-pop de “Litle Dark Age”, uma das mais interessantes rodelas de 2018 que é qualquer coisa como uma paisagem sonora dos Pink Floyd, descrita pelos Monty Phyton, enquanto um episódio do Stranger Things vai passando em fundo. Som imaculado, projecções visuais a convidar à vertigem, um concerto perfeito para encerrar a edição deste ano do NOS Alive. Quanto a 2019, já podem ir apontando nas vossas agendas (e, para quem queira arriscar às cegas, já há bilhetes): 11, 12 e 13 de Julho.
Fotos: Arlindo Camacho, Hugo Macedo, João Silva/NOS Alive
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