Há uns tempos atrás, os Eels, banda criada por Mark Oliver Everett – E para os amigos -, tocaram no londrino Royal Albert Hall, concerto gravado em disco e em DVD para a posteridade onde, segundo o próprio E, trataram de servir sobretudo “bummers” – temas delicados como “Parallels”, “A Line In The Dirt”, “Where I`m Going” ou “Mistakes of My Youth”.
Ontem, num setlist escolhido a dedo para um festival rock, os Eels deixaram a beleza e o refinamento de lado e não tiveram medo de sujar as mãos, atirando a pop às urtigas e metendo, sem medo, os dedos molhadas na tomada eléctrica, tudo para nos falar das obsessões ligadas ao lado mais negro da experiência humana.
Foi ao som triunfante do tema da banda sonora de um dos Rocky de Stalonne que E e seus três muchachos, todos com ar de uns Men in Black regados a mescalina – ao contrário de E, que vestia uma ganga que noutr corpinho poderia ser compremetedora -, subiram ao Palco Sagres, apertando as suas latas de spray como se a final do Mundial estivesse a coisa de segundos, abrindo desde logo com um cover enlameado de “Out In The Street”, dos The Who.
Ao fim de quatro temas, entre os quais esteve “Dog Face Boy” – que deu para meter um cowbell pelo meio -, E disse estar a ser demasiado rock n roll para alguém da sua idade, e que talvez fosse este o dia em que fosse bater a bota – “keep the cameras rolling, just in case”.
A acalmia chega então com “If I Could Be That Guy”, canção onde, por detrás dos acordes delicados, espreita a alma desajeitada de alguém para quem o amor é uma cena complicada e praticamente inatingível:
“I’m nothing like what I’d like to be
I’m nothing much, I know it’s true
I lack the style and the pedigree
And my chances are so few
That look you give that guy, I wanna see
Looking right at me
If I could be that guy instead of me
I’d give you all I got”
Regressa-se então a “Hombre Lobo” e ao tema “Prizefighter”, blues de auto-estrada onde E ensaia uns movimentos de anca,, com o guitarrista como parceiro, isto antes de a banda se atirar a uma versão quase irreconhecível de “My Beloved Monster”, aquele da banda sonora de um Shrek. Até “Novocaine For The Soul” surge transfigurado, numa versão que mais parecia querer entrar no espírito da sexta-feira 13 – isso ou um piscar de olho a um filme de Burton.
O momento de apresentar a banda foi puro deleite, até pelo facto de E ter decidido começar por se apresentar a si mesmo. Fez o baterista dar uma standing ovation a si próprio, falou da virgindade perdida pelo guitarrista e do facto de o baterista ter andado 8 meses no Japão como Mórmon, conseguindo atingir a bela marca de duas conversões. Baterista que teve direito a uma exemplar recriação de “Litle Joe”, cantando como se não houvesse amanhã, ele que era ali o “new guy” – “vocês sabem como por vezes é difícil ser o tipo novo”, atirou E antes de um mais expressivo “he kicks fucking ass”.
Há tempo para um cover de Prince com “Raspberry Beret” e para partir a louça toda ao som de “Souljacker, Part 1”, que teve direito a um momento estátua com a banda em modo de congelação durante um bom par de minutos; “Fresh Blood”, a única malha em que se conseguiu ouvir aquele baixo gingão indutor ao abanar de anca e aos uivos tresloucados de E; ou a rendição com o belíssimo “Blinking Lights (For Me)”. Diversão pura, rock empoeirado, num concerto sem espinhas que foi talvez a melhor coisa que o Alive nos trouxe no dia de ontem. Agora é trazê-los à Aula Magna em modo bummer.
Quanto ao resto, ficam algumas notas ao bom estilo telegráfico:
Os The National começam a portar-se como aquele amigo que convidamos para as festas quase por obrigação, não sabendo se de repente vai contar uma piada parva, ou como aquele tio desbocado que às tantas se lembra de contar segredo incómodo que deixa no ar um silêncio de cortar à faca. Foi provavelmente um dos piores concertos da banda em Portugal, à boleia de uma setlist feita a martelo e de uma prestação fraquinha de Berninger que, se esteve um senhor “I Need My Girl”, deitou tudo a perder, por exemplo, em “Mr November”, que nem o mergulho no meio do público conseguiu salvar do afogamento. Uma xaropada tremenda.
Os Queens Of The Stone Age demoraram o seu tempo a arrancar, eles que parecem ter-se cansado dos riffs cool e extremamente incendiários para se dedicarem, agora, a um rock um pouco mais pastelão, onde o mosh e o abanar do cabelo ou da careca dá lugar a uma dança que convida à selfie. Basta ouvir o recente “Villains”, produzido por Mark Ronson, para ver que o caminho escolhido é agora outro, mais passadeira vermelha e menos beco sem saída. A recta final, porém, merece-nos todo o perdão, servida com um quarteto fantástico composto por “Make It Wit Chu”, “Little Sister”, “With The Flow” e “A Song For The Dead”. É esta a rainha que queremos rapazes, please press rewind.
Em grande estiveram também os Portugal. The Man, que abriram as hostilidades com um vídeo tremendo, liderado por Beavis & Butt-Head, a que se seguiram versões delirantes de “Gimme Shelter”, dos Rolling Stones, e de “Another Brick In The Wall”, a música de combate que acabou transformada em eterno hino estudantil. Ecrã que foi também servindo para passar algumas mensagens, como a que mais incendiou as hotes: “Obrigado por nos terem deixado usar o vosso nome”. Refrões dançantes, sintetizadores no ponto, num concerto que não teria ficado nada mal no palco principal – e que mostrou que nem só de “Feel It Still” se faz a história desta banda americana.
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