Muitas vezes fotografado de olhar grave e sorumbático, Scott Matthew não é o que parece. O sopro de melancolia que atravessa álbuns como “Gallantry’s Favorite Son” ou “This Here Defeat” faria adivinhar um indivíduo triste, meditabundo, “encolhido a um canto a chorar a toda a hora”, como disse em entrevista recente, “e isso não poderia estar mais longe da verdade”. Quem teve oportunidade de assistir ao concerto de Matthew com Rodrigo Leão no CCB, a 22 de Março deste ano, pôde testemunhar o contagiante bom humor do músico.
O sexto álbum a solo, “Ode To Others” (Glitterhouse Records, 2018), revela uma mudança de perspectiva. Desta vez, o músico australiano optou por não falar das proverbiais dores de corno e relações escavacadas: virou-se para o exterior e criou um conjunto de canções dedicadas às pessoas que ama e admira – sejam elas reais ou fictícias – e aos lugares que carrega no coração.
End of Days, música que abre o disco, exibe a nova postura com uma ginga tropical: é um simpático devaneio com um travo de reggae e de consciência política. A letra apela à resistência – neste caso dirigida às políticas do actual Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. “We may be trembling with fear, it won’t hold us back / We ain’t going away”, promete Scott Matthew enquanto um baixo solarengo carrega a melodia.
“Ode to Others” é um disco cheio de amigos e parentes: a delicada balada Where I Come From fala do pai de Scott, Ian, de forma comovida, acompanhada por violino e arranjos minimais; Cease and Desist é dedicada a um tio falecido, de quem se sentia próximo; e Not Just Another Year celebra uma relação que, entretanto – sorte malvada -, já terminou.
O disco passa também por lugares importantes na vida do cantor: Flame Trees (um original dos Cold Chisel) leva-nos à sua Austrália natal numa cápsula de nostalgia; The Sidewalks of New York passeia pela cidade que nunca dorme, morada de Scott há 20 anos; e há até uma faixa escondida chamada Santarém, escrita a propósito de uma deambulação do cantor pela cidade lusitana.
Pois bem, e a música? O que não mudou foi a delicadeza e elegância das composições, melodias pop de base minimal onde se incluem depois elementos clássicos como secções de cordas (veja-se o início elegante de Where I Come From), sopros e teclas em constante diálogo com guitarras e coros.
Os arranjos são complexos e refinados, reflexo também do trabalho do guitarrista Jürgen Stark, com quem Matthew escreveu e produziu este disco. “Nem sabia se gostava das minhas canções”, confessa, “até ter chegado o Jürgen para lhes dar toda esta personalidade e todas estas camadas maravilhosamente intricadas”.
Há pormenores deliciosos, como o sintetizador muito eighties que percorre discretamente a balada The Wish, ou o descarnado ukelele da versão de Do You Really Wanna Hurt Me?, dos Culture Club, uma lição de bom gosto que pontua o meio do disco. E depois há a voz expressiva de Scott Matthew, a meio caminho entre Bowie e Elvis Costello, que dá às canções a sua medida de emoção.
Não há em “Ode to Others” nenhuma música tão amargurada como no anterior “This Here Defeat”, onde se descobriam baladas terríveis, de uma beleza desoladora, como Effigy e Constant. Ainda assim, não é propriamente um disco alegre – o subtexto de intimidade e melancolia continua lá -, mas um trabalho que assinala um novo princípio para Scott Matthew – e um renovado prazer na direcção musical que escolheu.
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Scott Matthew está confirmado na edição de 2018 do Misty Fest, onde irá dar 3 concertos:
31 Outubro: Casa da Música (Porto)
2 Novembro: Theatro Circo (Braga)
4 Novembro: Teatro Tivoli (Lisboa)
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