Jorge Amado (1912-2001), escritor brasileiro, é um nome consagrado como romancista. “Gabriela Cravo e Canela” recebeu os prémios Jabuti e Machado de Assis. Os seus livros (perto de três dezenas) foram traduzidos para quase todas as línguas do mundo e a sua carreira de escritor tem forte cunho regionalista e de denúncia social. Passou por várias fases literárias até chegar à fase modernista (muito voltada para a crónica de costumes) e foi membro da Academia Brasileira de Letras. Foi também membro correspondente da Academia de Ciências e Letras da República Democrática Alemã e da Academia das Ciências de Lisboa.
Politicamente comprometido com ideias socialistas foi preso duas vezes, em 1936 e em 1937. Exilado, viveu em Buenos Aires, França, Praga e noutros países com democracias populares. Voltou para o Brasil em 1952. Entre as suas obras, “Dona Flor e Seus Dois Maridos”, “Gabriela Cravo e Canela”, “Tenda dos Milagres” e “Tieta do Agreste” foram adaptadas para a televisão, cinema e teatro.
“Dona Flor e Seus Dois Maridos” (D. Quixote, 2018- reedição) foi escrito em Salvador da Bahia em 1965, sendo publicado em 1966 com grande sucesso, ultrapassando as cinquenta edições. Adaptado para o cinema em 1976 – e depois em 2017 -, foi um enorme sucesso de bilheteira no Brasil.
Uma das mais marcantes personagens femininas de Jorge Amado – Florípedes, mais conhecida por Dona Flor – espelha muito bem o modo de vida e as contradições e ambiguidades que marcaram e marcam o povo brasileiro, dividido entre o compromisso e o prazer, a seriedade e a alegria, o trabalho e a folia da “malandragem”.
Dona Flor (recatada jovem viúva de Vadinho, com quem conheceu todas as sensações carnais, das quais sente falta) divide-se entre o cerimonioso, fiel e comedido Dr.Teodoro, o actual marido, e o extravagante, boémio e voluptuoso marido, Vadinho, falecido num domingo de Carnaval após sete anos de casamento, cujo fantasma lhe vai aparecer – nu e sorridente – no leito conjugal, onde sempre soube vadiar com ela e “incendiar-lhe o desejo do corpo”.
Este fantasma (que só Dona Flor vê e sente, travando uma “espantosa batalha entre o espírito e a matéria”) passa assim a viver com o casal num triângulo amoroso assaz singular, dando origem a uma insólita e divertida história de amor, bem condimentada em sensualidade e personagens cativantes.
O romance começa com um anúncio, desenhado numa espécie de iluminura inicial: “Esotérica e comovente história vivida por Dona flor, emérita professora de arte culinária, e seus dois maridos: o primeiro, Vadinho de apelido; de nome Dr. Teodoro Madureira, e farmacêutico, o segundo”.
Escrito com mordacidade e humor, incluindo as ilustrações desenhadas (algumas muito sensuais) que acompanham toda a obra, este romance convoca o sorriso do leitor. Obra muito cuidada na narrativa, com a linguagem oral a ganhar grande espaço na mesma (como aliás em todas as obras do autor, de escrita simples, popular mas simultaneamente poética) e fidelidade absoluta à linguagem tal como ela é falada pelo povo que o autor baiano retrata, este livro é, sem dúvida, um dos ex-Libris de Jorge Amado.
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