O Gangster e o Cangalheiro (ou, se preferirem, o contrabaixista Pedro Gonçalves e o guitarrista Tó Trips) lançaram esta caixinha de música chamada Dead Combo há cerca de uma década e meia e, desde então, as vielas de Lisboa fazem parte da própria matéria da banda. Sobre essa camada bem portuguesa, os Dead Combo adicionaram um caleidoscópio de influências – Tim Burton e Quentin Tarantino, jazz fumarento e blues pantanosos, a rumba caribenha e o flamenco rendilhado -, uma festa pagã que compõe o seu som singular.
O sexto registo de originais, “Odeon Hotel”, revela uma inflexão em direcção ao rock mais musculado. Os dois músicos, habitualmente responsáveis pela produção dos discos, decidiram desta vez convidar um produtor externo como forma de abrir horizontes para a sua música. O escolhido foi Alain Johannes, que já trabalhou com luminárias como os Queens of The Stone Age e PJ Harvey. O produtor mudou o método de gravação dos portugueses: ao invés de gravarem primeiro as guitarras e o contrabaixo, acrescentando depois as percussões – como costumavam fazer -, a bateria de Alexandre Frazão esteve presente desde o início, daí resultando um som mais denso, mais som de “banda” do que nos discos anteriores.
A repercussão do método é audível logo nos primeiros segundos do disco, no tema Deus Me Dê Grana: uma tonitruante entrada de bateria, onde encaixam de seguida o contrabaixo e a guitarra, auxiliados por palmas e coros discretos. Neste disco, a percussão mais vincada não é a única diferença: os sopros delirantes e a electrificação extra das guitarras contribuem para a energia contagiante. É assim no gingante Mr. and Ms. Eleven, e também no hino à malandragem que é The Egyptian Magician, dedicado ao amigo Zé Pedro.
Há ainda no Odeon Hotel, espaço para os elegantes híbridos jazzy-fadistas-latinos que os Dead Combo sempre souberam fazer tão bem, casos do tex-mex de In a Mellotron e do melodramático La Forza Del Destino, uma ária sombria que desagua numa fantasia latina embalada pelo som do violino.
Em alguns pontos aterra-se na América do Sul – As Quica As You Can vai beber inspiração às cúmbias colombianas, oferecendo o protagonismo aos sopros e à percussão alucinada. A encantadora Dear Carmen Miranda leva-nos ao bailarico numa romântica tasca cubana. Noutros espaços presta-se a devida reverência ao mestre Carlos Paredes, como no minimal Faduncho que encerra o álbum.
Falta referir um dos pontos altos do disco: os Dead Combo convidaram Mark Lanegan para cantar, e o fantástico resultado chama-se I Know, I Alone. Lanegan canta um poema de Fernando Pessoa com a sua voz cavernosa, e acrescenta uma gravidade ao som dos Dead Combo que se expande como o febril calor tropical. É um tema lento, carregado de guitarras pesadas e distorção – uma fúnebre caminhada pelo deserto, a caminho de um qualquer destino sinistro.
“Odeon Hotel” revela uma banda em ascensão, com muito caminho aberto pela frente. Morricone, rói-te de inveja.
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