Quando alguém se vê obrigado a amputar ligações com o seu quotidiano, com a essência da sua identidade, tende a procurar novos focos e a estabelecer alianças que lhe permitam manter-se. A tendência ditada por instintos de sobrevivência há-de ser algo semelhante à transmutação e à inevitável aculturação.
Sobreviver e adaptar-se, numa dupla perspectiva, foi o que fez Frank Gold e a sua família, emigrantes Húngaros refugiados na Austrália, depois da segunda grande guerra, reféns de memórias traumáticas e de expectativas de um futuro que não desejaram mas que aceitaram. Ida e Meyer Gold tentavam integrar-se num novo mundo que, apesar de lhes proporcionar o que precisavam – trabalho e segurança -, teimava em deixá-los no limbo da angústia, sentindo-se – e sentindo-o – sempre aquém de qualquer coisa. Quantas vezes eles próprios não resistiram em partilhar as suas tradições e a sua arte por sentirem que, de alguma forma, a estariam a conspurcar. Em alternativa, pareciam preferir reservá-las, cultura e tradições, para a intimidade, para um privado que gostavam de preservar com sentido de propriedade.
“O Terceiro País” (Bizâncio, 2018), da australiana Joan London (Bizâncio, 2018), serve-se de uma narrativa histórica para representar a perseverança dos sobreviventes. Para além de tudo, os Gold geriam ainda o drama do único filho que, no início da adolescência, fora afectado pela epidemia de poliomielite que grassou na Austrália. Num lar de convalescença para crianças Frank descobre a forma de se encarar a si mesmo e de lidar com a forma como o mundo o olha, fisicamente rotulado pelo atrofiamento e limitações físicas e especialmente vulnerável à já inevitável selecção e rotulação social.
Queria desesperadamente ser normal, encontrar o seu caminho e o seu tempo no mundo real para onde desejava regressar. No lar de convalescença descobre Elsa, também ela em recuperação, descobrindo a poesia. Sentir-se poeta fazia-o sentir mais forte, como se recuperasse o seu futuro. Saber porque estava vivo, porque tinha sobrevivido e como poderia recuperar a liberdade.
“O Terceiro País” surge como uma espécie de mote para a procura de tesouros mais ou menos evidentes, através dos quais é possível a superação. Tesouros escondidos em relações de amizade, paixões, empenhos ou tão só na resistência.
Joan London chama a atenção para as longas viagens que é preciso fazer para enfrentar e superar os “demónios” que ameaçam e que paralisam, distintos na forma que assumem e nos momentos em que surgem – guerra, doença, medo, insegurança. Demónios vencíveis através do amor e da poesia que suavizam caminhos árduos e regras inevitáveis. No cômputo, um interessante jogo entre a realidade e a imagem; um romance com alguma originalidade pela forma como articula os temas e preserva um desfecho não evidente.
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