2017 foi um ano em cheio para o produtor americano Jonathan Wilson: usou o seu toque de Midas no genial “Pure Comedy”, do amigo de longa data Father John Misty, colaborou com a britânica Karen Elson no elegante “Double Roses” e ainda arranjou tempo para tocar ao lado de Roger Waters, na digressão americana “Us + Them”.
Verdadeiro artista a 360 graus, Wilson tem ainda uma carreira como cantor e compositor em nome próprio. No seu currículo figuram dois discos influenciados pela cena musical de Laurel Canyon, nos anos 70, onde pairavam vultos como Jackson Browne, David Crosby, Neil Young ou Frank Zappa.
São dois discos ambiciosos: longas e épicas trips pelas paisagens do rock psicadélico, misturadas com laivos de americana, onde cabem tanto Springsteen como um certo travo a rock FM. 2018 marca agora o lançamento do terceiro álbum a solo, “Rare Birds”, e a toada épica continua, em 13 canções espalhadas por 78 minutos.
A primeira música, “Trafalgar Square”, leva-nos de imediato para o psicadelismo a la Pink Floyd, que dá lugar a um riff gingão, cru e sinistro. É um tema cheio de transições, uma viagem hipnótica e vibrante por uma estrada pantanosa. “Me” prossegue próximo do registo de Roger Waters: cabem nele os anjos de Boticelli e um jogo de cartas com Jesus Cristo – imagens quase tão psicadélicas como a (horrível) capa do disco.
“Over the Midnight”, primeiro tema a ser divulgado – o equivalente moderno ao “primeiro single” – entra nos domínios dos The War On Drugs: uma música muito positiva, com uma cadência contínua que se prolonga por 8 minutos e 15 segundos, sem cansar.
O disco conta com uma série de colaborações de alto nível: o cantor new age Laraaji enriquece com o seu scat africano a mistura fina de “Lovin You”; o cúmplice Josh Tillman junta-se aos coros em “49 Hairflips”; e a amiga Lana Del Rey espalha o seu charme no luxuriante “Living With Myself”.
Wilson já admitiu que, neste disco, se inspirou mais nas produções inglesas dos anos 80 do que nos vales da Califórnia – algo particularmente visível no já citado “Living With Myself”, que impressiona com uma incrível atenção ao detalhe.
O álbum ainda leva mais uns pózinhos de Kinks (“Miriam Montague”), uma injecção de country à Tio Sam (“Hi Ho The Righteous”), uma fabulosa balada à Dire Straits (Sunset Blvd.), e ainda uma enérgica canção pop que poderia ser dos velhinhos Manic Street Preachers (“There’s a Light”).
Com todas estas avenidas, é surpreendente que o disco não descambe numa salganhada auto-indulgente – Wilson conserva um pulso firme na produção, conseguindo sempre um som fresco e arejado. Ainda que algumas canções pudessem ser mais pequenas – só há duas músicas com menos de cinco minutos, e duas com mais de oito -, as instrumentações originais e variadas não deixam os temas parecer compridos ou pesados.
“Rare Birds” é um disco complexo, denso e original, que continua a revelar novas camadas a cada audição – recomenda-se a escuta com vagar e um bom par de headphones.
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