Este é o segundo romance de Rute Simões Ribeiro, uma história contada num ritmo e numa cadência pouco habituais. Isto porque “A Alegria de Ser Miserável” (Edição de Autor, 2018) é um livro sobre um tema inabitual: a vida do protagonista Zé que, já numa fase bem adulta da sua vida, sofre uma embolia “que lhe retira a capacidade de se sentir triste”, impossibilitando-o de ficar deprimido e condenando-o “à infelicidade de ser feliz para sempre”, impedindo a alegria de se ser miserável.
A subtil ironia, a par de um permanente recorte humorístico, são duas constantes na escrita sempre inovadora e mesmo revolucionária de Rute Simões Ribeiro, que escreve com liberdade absoluta.
Zé da Paixão – porque aqui o leitor pode estar também perante uma história de amor por uma rapariga imperfeitamente perfeita, a figura Adelaide, uma espécie de holograma – é um homem rude de feitio e com meandros mentais muito invulgares, sempre com estranhas profissões: primeiro vinte anos como “despedidor”, até ser ele próprio o “despedidendo”, depois pintor retratista, taxista, arrumador num teatro, escultor de Adelaides. A trama é revelada com a mestria de quem sabe escrever com leveza, carácter intimista e uma surpreendente e atípica desenvoltura narrativa. Além disso, a autora sabe revelar o interior profundo das personagens que cria, num acto de criação que, aliás, é feito com uma sublime e sedutora abordagem poética.
Este homem meio corcunda, com uma vida levada ao acaso, tem uma personalidade humana complexa (de tão simples), realizando no quotidiano uma vivência paralela onírica e real em tempos e espaços que se entrecruzam, evitando sempre a relação com os outros. A excepção é a irmã (Alma da Encarnação), com quem se reencontra na altura em que sofre a embolia, o que mudará por completo a sua vida, tornando-o “um requerente da morte”. Uma esplêndida alegoria sobre o importante papel da tristeza na vida, porque afinal “não ficamos todos tristes da mesma maneira, não”.
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