É bem sabido que Winston Churchill bebia decalitros de álcool. Nas suas próprias palavras, acreditava no “rito sagrado de fumar charutos e beber álcool antes, depois, e se necessário durante as refeições, e no intervalo entre elas”. Conseguiu, ainda assim, conservar uma mente excepcional, graças à qual se tornou num dos mais talentosos oradores da história. Verdadeiro virtuoso da retórica, foi autor de alguns dos melhores discursos já proferidos.
Anthony McCarten, argumentista do filme “A Teoria de Tudo” – biografia oscarizada do físico Stephen Hawking -, debruça-se agora sobre a icónica figura de Churchill no livro “A Hora Mais Negra” (Objectiva, 2017). O escritor neo-zelandês retrata, com visão cinematográfica, os bastidores de um período crítico da Segunda Guerra Mundial, pela óptica de um dos seus protagonistas maiores. Deste livro nasceu também o argumento do filme com o mesmo nome, protagonizado por Gary Oldman.
O autor foca-se nos acontecimentos de maio de 1940: sob as ordens de Adolf Hitler, o nefasto exército nazi avança pela europa central como um cancro, “um abismo a alargar-se a grande velocidade”. Após um processo político confuso e atribulado, repleto de “boatos e intriga, conspiração e contra-conspiração”, Winston Spencer Churchill é nomeado Primeiro-Ministro, com a tarefa homérica de liderar a Inglaterra no combate a esta grave ameaça.
O Churchill que ficou para a História foi o líder determinado, fulgurante e mobilizador, autor de discursos arrebatadores: “Perguntam-me: qual é o nosso desígnio? Posso responder numa só palavra: é a vitória, vitória a qualquer custo, a vitória mal-grado todo o terror, a vitória por mais longo e duro que seja o caminho. Porque sem vitória não haverá sobrevivência”.
Segundo McCarten, no entanto, Churchill terá tido os seus momentos de dúvida naqueles dias terríveis. Submetido a uma enorme pressão interna para se render e negociar condições com os nazis, acabaria por decidir lutar até ao fim, fazendo frente a uma titânica força militar com o poder das suas palavras.
O livro de McCarten percorre dia a dia os acontecimentos determinantes daquela primavera que viria a moldar o futuro da Europa. McCarten mostra-nos como Churchill usou a sua oratória para galvanizar um país inteiro, com uma análise fascinante do arsenal retórico usado por Churchill: desde a repetição de frases e ideias até ao uso subtil de técnicas de retórica, que remontam a autores clássicos como Cícero e Plutarco.
Assente numa pesquisa minuciosa e exaustiva, “A Hora Mais Negra” é uma empreitada envolvente, um retrato colorido e realista que retira Churchill do pedestal para mostrar a faceta mais humana do político britânico – “uma amálgama de partes irreconciliáveis: exibicionista, fanfarrão, pretensioso, poeta, jornalista, historiador, aventureiro, melancólico e possivelmente alcoólico” -, um homem brilhante que conquistou um merecido lugar no lado certo da História. Se não fosse a coragem e determinação de Winston Churchill, a Europa em que vivemos seria hoje muito diferente, no pior sentido.
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