Em Agosto de 1914, no ocaso da era heróica da exploração e no eclodir da Primeira Grande Guerra, Ernest Schackleton, acompanhado por 27 homens, decidiu reclamar para si o último prémio da história da exploração polar: a travessia a pé do continente antárctico, desde o mar de Weddell até ao mar de Ross.
Schacleton não era, refira-se, um novato nestas andanças, tendo anteriormente – e por duas vezes – tentado ser o primeiro homem a chegar ao Pólo Sul: na primeira, na companhia do Capitão Falcon Scott – que mais tarde perderia a corrida (e a vida) para os noruegueses -, entrou em colisão com o estilo austero deste, ficando ambos longe do objectivo traçado – muito por culpa da má preparação logística e física que rodeou a expedição; na segunda, apesar de ter repetido os erros e a má planificação, aumentou o recorde de Scott em 600 quilómetros para sul, sendo recebido em apoteose em Inglaterra apesar da missão ter fracassado.
Com trabalhos publicados nas revistas The New Yorker, Granta, Condé Nast Traveller, Smithsonian, Outside e National Geographic, Caroline Alexander é também autora de “One Dry Season”, “The way to Xanadu”, “Battle`s end” e “Mr. Chippy`s last expedition”. A sua ligação a Shackleton não é de agora, tendo sido a curadora da exposição Endurance: a lendária expedição de Shackleton, que percorreu os Estados Unidos da América.
Em “O Endurance” (Planeta, 2015) – com o sub-título “Encurralados no gelo” -, Caroline dá-nos um relato fascinante da expedição de Shackleton, que entrou para a história como um dos maiores épicos de sobrevivência. Paralelamente ao relato de Caroline, o livro apresenta o trabalho fotográfico – e pioneiro – de Frank Hurley, o fotógrafo australiano que integrou a expedição – falhada, uma vez mais – de Shackleton, trabalho que nunca havia sido antes publicado na íntegra.
Mesmo repetindo alguns dos erros das anteriores expedições – o seu único treinador e condutor experiente desistiu pouco tempo antes devido a questões contratuais, apenas um dos homens da comitiva sabia esquiar, não levou comprimidos anti-parasitários para os cães -, Shackleton operou algumas melhorias: tinha um segundo-comandante que sabia esquiar, fez algumas consultas com nutricionistas, seguiu conselhos dos mais experientes exploradores noruegueses, que o convenceram a levar mais de seis dezenas de cães. Fundou também a Trans-Antarctic Film Syndicate, de modo a explorar todos os direitos cinematográficos relativos à expedição, vendendo o exclusivo da história ao Daily Chronicle.
Inicialmente baptizado de Polaris, o Endurance – Shackleton rebaptizou-o a partir de um lema de família: fortitudine vincimus, ou, pela resistência venceremos – era um bergantim de 300 toneladas, comprados aos famosos estaleiros noruegueses Framnaes. A maior parte do financiamento veio do governo britânico, assim como de Sir James Key Caird, um escocês rico fabricante de suta (que entrou com 24 mil libras).
Portador de um inabalável optimismo, o Endurance partiu de Inglaterra no dia 8 de Agosto de 1914, navegando até ficar preso no gelo a 160 quilómetros do seu objectivo. Em breve seria esmagado como uma caixa de fósforos, deixando a tripulação a flutuar na superfície de placas geladas. A provação de Shackleton e dos seus homens estendeu-se durante 20 meses e, entre duas tentativas quase fatais por barco e muitos acessos de loucura, conseguiram ser resgatados sem uma única perda humana.
Apesar de uma vez mais ter fracassado na sua missão inicial de percorrer a pé a Antárctida, Shackleton levou a bom porto a missão hercúlea de salvamento e, paralelamente, de manter a tripulação unida na desgraça, mostrando-se como um líder que, mais do que a glória, soube dar valor à vida humana. Um documento histórico extraordinário sobre um dos mais primários e fascinantes instintos humanos: a sobrevivência.
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