Sobre os sonetos de Vinicius diz-se que são “bons arrimos para a memória”, em que é necessário aliar o coração à disciplina. À primeira vista, o soneto parece ser um dos exemplos mais rígidos dentro da poesia devido à sua forma fixa: quatro estrofes, em que as duas iniciais têm, cada uma, quatro versos e duas últimas com três. Mas pode ser também o que mais próximo se mantém da canção, e é neste campo que entra Vinicius de Moraes.
A Companhia das Letras Portugal continua a dar a conhecer aos leitores deste lado do oceano o talento de um de um dos maiores letristas brasileiros, desta vez com o “Livro de Sonetos” (Companhia das Letras, 2017).
Se, para muitos, o soneto foi um desafio e considerado como uma fórmula desgastada dentro da poesia, Vinicius trouxe uma lufada de ar fresco ao género. Construir sonetos foi um “desafio e uma brincadeira”, como se pode ler nos textos finais incluídos neste livro. Desafio por ter reconstruído um género e lhe ter dado personalidade – não estivesse a alma do letrista em todos os poemas reunidos neste “Livro de Sonetos” –, e uma brincadeira, em certa medida, por ser palpável o prazer extravasado em cada poema à medida que o leitor folheia as páginas.
São, em grande medida, sonetos sobre o amor e a plenitude da vida. O amor completo e intenso de um protagonista nas artes em que se envolveu. Mesmo antes das obras poéticas dedicadas ao amor, como o “Soneto de fidelidade” (“De tudo, ao meu amor, serei atento/ Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto/ Que mesmo em face do maior encanto/ Dele se encante mais meu pensamento./ […]”), haverá um primeiro momento, que acaba por se revelar uma constante ao longo do livro, dedicado à mulher. Sem a intensa intimidade e sexualidade, mas descrita com uma devoção intrínseca (“Essa mulher que me arremessa, fria/ E lúbrica aos meus braços, e nos meus seios/ Me arrebata e me beija e me balbucia/ Versos, votos de amor e nomes feios. […]”). Está longe de a caracterizar como etérea ou divina. É a veneração da mulher real, do dia-a-dia, de carne e osso que está colocada nestas páginas.
É também através deste género poético que Vinicius se dá a conhecer ao mundo. Responsável pela comunhão do lirismo, da poesia e da música, o poeta abraça o sentimento para afastar a solidão. Já dizia que a “maior solidão é a do ser que não ama”, do “que se ausenta, que se defende, que se fecha”. Estes sonetos reunidos são, assim, para serem lidos, memorizados e amados. Não haverá melhor forma de homenagear Vinicius.
“Juntem-se vermelho
Rosa, azul e verde
E quebrem o espelho
Roxo para ver-te
Amada anadiômena
Saindo do banho
Qual rosa morena
Mais chá que laranja.
E salte o amarelo
Cinzento de ciúme
E envolta em seu chambre
Te leve castanha
Ao branco negrume
Do meu leito em chamas.
O Especto da Rosa. Montevidéu, 1959
1 Commentário
poderia deixar uma análise também de aria para assovio de vinicius .