Depois de dois EP`s – um deles construído à mão à boa maneira dos antigos artífices -, os Um corpo estranho lançaram, o ano passado, o seu primeiro longa-duração, editado em CD e numa versão alternativa – limitada a 300 exemplares – que se assemelhava a um pequeno livro onde, a cada um dos 12 temas, correspondia uma ilustração da autoria de Sérgio Marçalo (mais conhecido por 5: AM).
“De não ter tempo” (Edição independente, 2014) é, liricamente, um disco português dos sete costados. Nestas 12 histórias – ou anti-histórias, como provavelmente lhes chamariam Pedro Franco e João Mota – há, sobretudo, fantasmas: de relações passadas, de amores perdidos, de corações sem batimento cardíaco, de demónios aprisionados.
São letras tocadas pelo negrume e pela melancolia onde, através da psicanálise, de um copo de vinho ou do falso diálogo com o amor e o seu oposto, se arranja forma de seguir em frente. Apesar do frio, da solidão ou de a estrada que se escolhe calcorrear parecer não ter fim.
Musicalmente, os Um corpo estranho são praticantes de um blues gingão onde cabem coros de igrejas em ruínas, portas que rangem, guitarras e outras cordas ululantes e uma voz nítida e com personalidade que dá gosto ouvir.
Há ecos de Tom Waits, Patrick Watson e até de Pink Floyd. Há uma versão de um tema dos Madredeus e o acordeão de Celina da Piedade em duas canções. Mas há, sobretudo, a energia renovável de dois rapazes que parecem ter, com a música, uma relação tremendamente umbilical. Um dos mais cativantes discos de 2014 com carimbo nacional.
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