Parker é aquilo que, na gíria cinéfila e no calão de ruas mal frequentadas, se costuma chamar – recorrendo a Língua alheia – de bad motherfucker. “Jogo Mortal” (Devir, 2017), criado por Richard Stark e adaptado e ilustrado por Darwyn Cooke, é o quarto e último livro da aclamada série Parker, uma graphic novel onde este será posto à prova por polícias corruptos e gangsters manhosos.
O ano é o de 1969 e a cidade Nova Iorque. Depois de um bem-sucedido assalto a um carro blindado, Grofield, Laufman e Parker arrancam no carro de fuga, mas devido à neve e a uma condução desastrada o carro acaba por capotar.
Parker é o único sobrevivente, que foge com um saco cheio de dinheiro – mais exactamente 73000 dólares – e se refugia na Ilha da Diversão, auto-procalamado “o lugar mais alegre do mundo“, um parque gigante de diversões fechado para balanço durante a estação mais fria. Uma decisão reflectida mas aparentada a uma sentença de morte, uma vez que os perseguidores sabem que Parker não tem outra forma dele sair a não ser usar o portão da frente. As outras três saídas estão fechadas a cadeado, e o parque está rodeado por um ribeiro intransponível a nado e cercado por uma vedação electrificada de três metros de altura. É o próprio Parker que assume o empreendimento que o espera: “Estava à espera que a força de polícia inteira de Buffalo irrompesse pelo portão dentro“.
Mesmo neste cenário de morte anunciada, Parker não é homem para desistir, recorrendo a uma velha máxima que o tem acompanhado: “Se não conseguires fugir, o melhor é esconderes-te“. E que melhor sítio do que um parque de diversões fechado para praticar a arte da dissimulação e da armadilha, por entre a Casa de Espelhos da Ilha do Vodu, a Casa de Cera de Alcatraz ou o Túnel de Vôo da Jornada Espacial?
Com duas forcas policiais distintas, a normal e uma outra mais eficiente e corrupta liderada pelo gangster Benito Lozini, Parker irá jogar o jogo do gato e do rato, esperando que o bicho mais pequeno possa milagrosamente escapar sem acabar esborrachado ou preso a uma das muitas ratoeiras dispostas.
As ilustrações, com traço a negro e a companhia solitária de um cinzento-azulado, são de um cuidado e detalhe extremos, seja na forma arquitectónica como apresenta edifícios ou objectos, na expressividade que confere às personagens ou no modo cinematográfico com que ilustra a acção, comprovando que a BD é, de facto, a arte mais próxima do mundo da sétima arte.
Como bónus temos ainda “O 7étimo”, uma pequena história onde Parker vai em perseguição de um assassino amador, arruaceiro, amante ciumento e algo imprevisível – e dos 16300 dólares que levou com ele. Aqui o cinzento-azulado dá lugar a um amarelo-torrado vivo, mas mantêm-se os mesmos diálogos de policial noir que poderiam ter sido escritos por Raymond Chandler. Um fecho brutal em modo extra-adrenalina.
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