É um dínamo de música para todos os gostos. Em 25 anos de carreira, o prolífico Beck já exibiu muitas faces: desde a folk mais artesanal até ao hip hop mais urbano, passando pelo country, funk, rock alternativo, peças orquestrais ou géneros díspares espalhados por 12 álbuns de originais – uma salada mirabolante.
Se observarmos o percurso do multi-instrumentista americano com mais atenção, constatamos que parece não haver um mas dois Becks, que lançam discos à vez: ora sai uma faceta mais colorida e experimental, de mira apontada à diversão pura – em álbuns como “Odelay” e “Midnite Vultures” -, ora se ensaia, em discos como “Mutations” e “Sea Change”, um lado de cantautor “sério”, melancólico e brumoso.
Nos últimos anos, o pêndulo balançou na direcção deste lado mais meditabundo e com assinalável sucesso: “Morning Phase”, disco de 2014, foi muito bem recebido, tendo inclusivamente arrecadado o Grammy de “Álbum do Ano”. Era, pois, hora de Beck ganhar balanço para o outro lado e vestir o papel de rei da folia. Aí temos, então, o décimo terceiro disco, intitulado “Colors” (Capitol Records, 2017), um trabalho festivo e orelhudo, vestido de pop até ao tutano.
Abre-se a porta do disco com “Colors”: batida forte, muita exuberância e uns apontamentos de flauta – está dado o mote para um disco homogéneo (invulgarmente uniforme para um artista como Beck). “Seventh Heaven” segue na mesma batida com uma vibração muito Spoon – até a voz soa aparentada com a de Britt Daniels, mas – e aqui está o cerne do problema deste álbum – Beck chega ao refrão e carrega na sacarina, até tornar a coisa enjoativa.
“Colors” está carregado de canções pop fortemente polidas, desde a guitarra jubilante de “Dreams” até ao hip-hop sonolento de “Wow”. É tudo muito solar, com espírito veraneante e alegria. No entanto, após algumas audições, instala-se a sensação de um conjunto de canções deveras superficial.
A produção ficou a cargo de Beck e do seu antigo músico Greg Kurstin, produtor muito requisitado no momento – tem a mãozinha em discos de Adele, Kelly Clarkson e Sia, por exemplo. A escolha não foi inocente: a intenção declarada de Beck era fazer um álbum pop a 100 por cento. O que não seria, só por si, algo mau – os Phoenix conseguiram este ano brilhar com o seu “Ti Amo”, disco pop por excelência.
“Colors “ fica muito aquém e mostra-nos, no seu melhor, um Beck em piloto automático – como no piano traquina de “Dear Life”. No pior, é evidente a desinspiração, espelhada na excessiva “limpeza” das soluções instrumentais, trabalhadas e reluzentes até se tornarem inócuas. Até o quase-reggae de “No Distraction”, filho bastardo dos Police, soa artificial e vazio de emoção.
“Este álbum já poderia ter saído há um ou dois anos” declarou Beck à Rolling Stone, “mas estas são canções complexas, que tentam fazer duas ou três coisas ao mesmo tempo”.
Não podemos deixar de discordar: estas supostas “canções complexas” só nos mostram uma gritante banalização do artista anteriormente conhecido como Beck, o génio surrealista que criou “Odelay” e “Midnite Vultures”, aqui numa pálida versão de si mesmo.
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