Em 1957, Sidney Lumet realizava “12 Angry Men”, um filme passado quase por inteiro numa sala de tribunal onde 12 membros do júri estão fechados para decidir sobre a culpabilidade ou inocência de um jovem, num julgamento por assassinato. A decisão terá de ser unânime, e tudo parece bem encaminhado quando, de início, 11 deles se decidem pela condenação do réu. O outro, porém, acredita firmemente na inocência, tentando convencer ao longo do filme os restantes onze a mudar os seus votos.
Se tivesse participado na rodagem do filme, o escritor Jonathan Franzen não desempenharia o papel de Henry Fonda, que começa por levantar as suas dúvidas com uma calma que mais parece um earl grey britânico em versão light. Porém, se lhe fosse entregue o papel de um dos outros 11 jurados, ficaria certamente com as falas destinadas ao homem mais irritado, que só quer acabar com aquilo e ir até ao bar mais próximo para serenar os ânimos – ou, então, entrar no carro para dar largas a uma assumida road rage, algo que descobriu quando, para não ter o seguro aumentado, frequentou um curso online de seis horas com a ajuda de um Adderall.
Jonathan Franzen, aquele que a revista Time apelidou de “o grande romancista americano” e que tem uma biografia sobre si próprio intitulada “The Comedy of Rage”, esteve em Portugal a convite da Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento (FLAD), tendo confirmado os rumores de bad guy que sobre ele têm circulado nos corredores e avenidas literárias: “Sou facilmente irritável“.
Numa conversa com Isabel Lucas, jornalista do Público que sabe tanto de literatura americana como o nosso Ronaldo joga à bola – e que lançou este ano o fantástico “Viagem ao Sonho Americano” -, Jonathan Franzen falou do carácter multi-geográfico da literatura americana – seja a de Nova Iorque, a de Los Angeles ou a de Washington -, bem como do facto de esta ter tido sempre muitas identidades, desde a celebrada e orgulhosa literatura judaico-americana às segundas gerações de emigrantes que estão a conquistar um espaço muito próprio – “Muita da vitalidade vem daqui“, partilhou.
Segundo Franzen, a etiqueta que a Time lhe quis colar não pegou, uma vez que sempre considerou que a expressão “grande novela americana” era algo tonto ou, se preferirem, uma manobra comercial. Falou de “O Grande Gatsby” como um livro simbólico sobre a perseguição de uma visão comercial do sucesso, uma parábola curta e certeira ao sonho americano, ainda que as questões americanas não façam parte da curta mas estonteante narrativa.
Interessante foi a conversa à volta dos seus três últimos romances, cada um deles baptizado com uma palavra única que, segundo explicou Franzen, são o resultado de uma expressão que poderia ser estampada numa T-Shirt: “Irritation with a concept“. Em “Correcções”, pela ironia de tanto o sistema penal como a bolsa de valores usarem o termo para enfeitar acontecimentos menos éticos; “Liberdade”, como reacção a George Bush e ao facto de usar a palavra sempre que falava de terrorismo; e “Purity” pelas várias manifestações e reivindicações de grupos e pessoas singulares sobre a ideia medieval de pureza – Franzen disse ter percebido aos 20 anos a impossibilidade – e também idiotice – de tentarmos ser puros.
Falou de “A Zona de Desconforto” como o livro em que deixou a vergonha de lado e conseguiu olhar para os seus anos liceais com distanciamento e humor, percebendo que aquilo que procurava num escritor seria, também, aquilo a que se deveria propor na sua escrita: encontrar o riso no lado negro, uma vez que a seriedade, além de maçadora, não merece a confiança do leitor.
Abordou o tema Trump a contragosto – apenas para o obrigatório picar do ponto -, defendeu que as pessoas deprimidas e zangadas são as mais divertidas e apontou o escritor como alguém que está inserido numa comunidade de leitores, com a responsabilidade de lhes oferecer bons livros – que, segundo Franzen, são cada vez mais difíceis de arranjar. “Como leitor ficaria muito agradecido com os meus livros“, brincou, dizendo que uma das grandes alegrias é quando a noite se aproxima e sabe que um grande livro estará à sua espera – como, no momento presente, um romance de George Eliot – pseudónimo para Mary Ann Evans -, de quem teceu os maiores elogios.
Houve ainda tempo para falar de David Foster Wallace, de como o suicídio deste o deixou irritado e do facto de, numa ida a uma ilha nos confins do planeta, ter despejado algumas das cinzas do escritor e amigo, um momento emocional que acabou por ser transposto para a escrita, ainda que, nessa altura, tivesse já os olhos secos: “Quando escrevemos temos de ser implacáveis“.
Quanto a personagens de eleição falou em duas: Patty Berglund, a sofredora mulher de “Freedom”, em quem Franzen diz ter depositado boa parte do seu lado feminino – “Não concordo com a fronteira criada entre homens e mulheres, excepto a anatómica” -; e Alfred Lambert, o patriarca de “Corrections”, que passará de rei incontestável a um ser minado pela demência – e que parece ter sido, de certa forma, inspirado pelo pai de Franzen.
Uma sessão de 40 minutos – seguida de outros vinte reservados para perguntas do público – em que Franzen partilhou ainda o seu fascínio pela televisão, e da possibilidade de vermos em breve no pequeno ecrã uma adaptação de “Purity”, depois de um primeiro projecto falhado com “Corrections”.
No lançamento da sessão, o presidente da Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento apresentou brevemente o curso livre sobre Literatura Americana, conduzido por Isabel Lucas, que terá início na segunda semana do próximo ano. Por aqui, deixamos uma sugestão para o próximo autor norte-americano a visitar a FLAD: McCarthy. Mr. Cormac McCarthy.
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