A separação de uma banda não é, hoje em dia, algo de definitivo: quando a inevitável reunião acontece, é geralmente encarada com naturalidade pelos fãs. Mesmo as reuniões mais improváveis podem ter lugar e, se até os Guns ’n’ Roses se voltaram a juntar, qualquer banda o pode fazer.
No entanto, quando os LCD Soundsystem anunciaram que iam regressar ao activo, em Dezembro de 2015, houve muito boa gente a sentir-se enganada. Tinham passado apenas cinco anos sobre o concerto histórico no Madison Square Garden, a 2 de Abril de 2011 – uma enorme festa de despedida, documentada no filme “Shut Up And Play The Hits” -, que (supostamente) encerrava a carreira da banda de Brooklyn em alta, com pompa e circunstância.
“Se íamos voltar a tocar, tínhamos mesmo de o justificar”, referiu o mentor do grupo, James Murphy, em entrevista recente ao New York Times, referindo ainda que “foi um problema novo, excitante e muito interessante para mim: tínhamos de fazer algo suficientemente bom”.
O colectivo electro-punk do carismático Murphy personificou tudo o que era cool na música indie da primeira década dos anos 2000 – foi uma banda marcante para muitos. Era por isso grande a expectativa em relação ao novo disco, “American Dream” (DFA – Columbia, 2017), e ainda não terá sido desta que os LCD Soundsystem tropeçaram: depois de darem ao mundo três álbuns extraordinários, este quarto tomo mantém bem elevada a fasquia.
“American Dream” é reconhecidamente LCD Soundsystem de uma ponta à outra. Está recheado de camadas de percussão repetitiva e esparsa, de canções em crescendo até ao ponto de ebulição – a energia contagiante ainda mora aqui (não se consegue ficar indiferente ao início de “Tonite”, por exemplo). Não há no álbum duas canções iguais, e o som continua desafiante, imaginativo e ambicioso.
James Murphy convoca os Simple Minds, com uma pitada de Cure à mistura, em “How do You Sleep”, sobre uma batida tribal a convocar os nativos para a guerra. A fantástica “I Used To” debita uma pulsação borbulhante e uma linha de baixo funky, recheada de sintetizadores de jogo de computador, a pedir o repeat.
Mais melancólica, “Oh Baby” é uma espécie de tributo aos Suicide, de Alan Vega e Martin Rev – o tema descende directamente de “Dream Baby Dream”, tema editado em 1979 pelos veteranos da música electrónica. Faz todo o sentido a piscadela de olho, porque os LCD Soundsystem têm muito em comum com os Suicide – ambos primam pela electrónica minimalista, cheia de caixas de ritmos manhosas e percussão quase primitiva.
A banda não esconde os seus heróis, sendo outras influências são facilmente reconhecíveis: paira por todo o disco o espectro de Bowie, seja na guitarra áspera de “Change yr Mind”, ou na homenagem sentida que é “Black Screen”, o tema planante que encerra o álbum. Noutros pontos conseguimos entrever os Gang of Four, os New Order ou os Talking Heads, habilmente digeridos pela linguagem sónica que os LCD Soundsystem têm aperfeiçoado desde os seus primeiros temas.
As letras de James Murphy continuam a gravitar à volta das suas obsessões antigas: a cultura pop musical, a melancolia e o envelhecimento, aludidos de forma velada, opaca, mas ao mesmo tempo com frases muito precisas e cristalinas: ““You got numbers on your phone of the dead that you can’t delete / and you got life-affirming moments in your past that you can’t repeat”, canta em “Emotional Haircut”.
“American Dream” tem um tom mais carregado do que os álbuns anteriores, com homenagens agridoces a amigos desaparecidos e a tempos que já não voltam. Com 47 anos, Murphy parece aqui pesar os prós e contras da maturidade em relação à energia e entusiasmo da juventude.
Os LCD Soundsystem continuam a ser um colectivo muito original, citando as suas influências de uma forma contemporânea, criando temas surpreendentemente consistentes, sempre com uma linguagem muito própria.
Murphy conta uma conversa que teve com Bowie, acerca do possível regresso dos LCD Soundsystem às lides discográficas, depois da grande despedida em 2011:
– “Faz-te sentir desconfortável, esse regresso?” perguntou-lhe Bowie a certa altura.
– “Sim…” respondeu Murphy.
– “Ainda bem. Se não estás desconfortável, não estás a fazer nada de jeito”.
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