“Compreendia o papel da imprensa enquanto cão de guarda: competia-lhes criticar os políticos, as pessoas com um mínimo de poder e as entidades públicas. Tinham de procurar a justiça e expor a fraude. Eram princípios que sempre procurara seguir, mas parecia-lhe agora ser ele próprio vítima de injustiça.”
Tal como William Wisting, o protagonista a que dá vida na sua série de thrillers, Jørn Lier Horst foi inspector-chefe no Departamento de Investigação Criminal da Polícia de Larvik, conhecendo bem o meio e os métodos sobre os quais escreve, algo que não passa despercebido ao leitor.
“Cães de Caça” (D. Quixote, 2017) é o oitavo livro da série e o segundo a ser publicado em Portugal. O inspector-chefe William Wisting está suspenso e é alvo de uma investigação, após ter sido acusado de, há dezassete anos, ter falsificado provas para a resolução do homicídio da jovem Cecilia Linde, um dos crimes mais mediáticos da Noruega.
De predador a presa, Wisting é obrigado a descobrir o que realmente aconteceu, por sua própria conta e risco, isto se quiser recuperar o distintivo e limpar o seu nome. Para adensar a trama, outra jovem desaparece e o inspector-chefe vê-se envolvido numa luta contra o tempo em busca da verdade. A ajudá-lo na tarefa de provar a sua inocência terá a sua filha Line, uma jornalista de investigação que, com uma profissão marcada pela curiosidade e engenho, vem acrescentar ainda mais ritmo à já vertiginosa narrativa.
A conexão do leitor com estas personagens é imediata, nos cenários típicos dos thrillers nórdicos que criam uma envolvência enigmática e misteriosa à história. São 340 páginas de investigação — policial e jornalística —, onde o autor vai semeando pistas e impulsionando twists que agarram da primeira à última página.
Se a profissão da filha levara o inspetor-chefe a “mudar a perspectiva no que respeitava ao seu papel enquanto polícia”, também no leitor exerce esse fascínio, numa demonstração do poder dos media e no papel destes na definição da opinião pública. Quanto à investigação, será que “a pressão e exigência” de resolução de um dos casos mais mediáticos da Noruega terá levado a polícia a tomar “conclusões precipitadas”? Será que os inspectores adquiriram uma “visão afunilada” e procuraram provas que se adequassem a uma teoria, como “cães de caça” que seguem um rasto mas se ficam pelo odor mais intenso sem avançarem mais? É este questionamento pessoal que acompanhamos, numa desmistificação de interesses e poderes.
No final, a tensão e o mistério dissipam-se e todas as peças se encaixam, sem pontas soltas. Que Jørn Lier Horst regresse com mais um thriller capaz de nos tornar novamente leitores-inspectores.
“Cães de Caça” recebeu o Prémio Riverton/ Revólver Dourado 2012 (para o melhor romance policial norueguês), o Prémio Chave de Vidro 2013 (para o melhor policial escandinavo) e o Prémio Martin Beck 2014 (da Academia Sueca de Escritores de Policiais).
1 Commentário
Adorei o comentário final. Sem pontas soltas. Acabei de ler o livro “A queda” e o livro termina sem o nome do autor de um dos crimes investigados (o Inspetor Bosch investiga 2 casos ao mesmo temp).Um crime é solucionado e o outro não. Isso é um absurdo!!! Tenho lido só os policiais nórdicos aí dei uma chance para o norte americano Michael Connelly e deu nisso!!!!!