Depois de ter sido espremido até quase à última gota no mundo da sétima arte, de onde saíram filmes que nem ao pior inimigo se recomendariam, o filão dos super-heróis começou também a ser trabalhado pelo Netflix, que já levou ao pequeno ecrã nomes como os do Arqueiro Verde, Flash ou a recriação de Gotham e dos seus vilões.
Outra dessas adaptações foi a de Luke Cage, interpretado por Mike Colter, onde o herói surge, em relação à BD, bastante amansado, mostrando um coração mole e uma dedicação à causa humana longe de corresponder ao visto nas tiras.
Com argumento de Brian Azzarello, desenhos de Richard Corben e cores de Villarrubia, “Cage” (G. Floy, 2017) vem repor a verdade sobre este “preto à séria“, expressão utilizada no prefácio por Dariun James, o autor do romance satírico e pós-moderno “Negrophobia” e da história semi-autobiográfica da cultura negra dos anos 70 “That’s Blaxploitation!!: Roots of the Baadasssss’Tude”. Ainda no prefácio, Dariun James traça um perfil de Cage e daquilo que este representa: “Cage traz uma voz urbana autêntica – a voz do herói de Blaxploitation, a voz do hip-hop, a voz da classe negra pobre – para a banda desenhada“. Alguém que assume a dupla faceta de herói e mercenário.
Neste volume, que reúne os primeiros cinco números originalmente publicados em formato comic, o leitor depara-se desde logo com a conversa de rua de Cage, que está longe de ser o bonzinho que a Netflix quer fazer crer: “As merdas acontecem. Todos os dias, em todas as cidades, em todas as esquinas. Acontecem merdas fodidas. E podem acontecer-te a ti“. A regra para o bem-estar é, portanto, apenas uma: “Paguem aquilo que peço, ou vão à vossa vida“.
Ao descobrir que existem três gangues diferentes a lutar pelo controlo do bairro, Cage vai oferecendo os seus serviços a todos eles, tentando ganhar o máximo com a desgraça alheia. Em conflito estão Clifford “Clifto” Towsend da Rua G, a “outra pessoa” a quem a bala que matou Hope era destinada; Lincoln, “O Túmulo“, um homem de negócios “legítimo” do Harlem; e Martelo, o italiano que encarna com todas as letras o espírito gangster. Apesar de se perguntar “qual a merda de prémio ao lutarem por uma rua de merda num bairro merdoso?“, Cage tudo fará para que a vida no bairro volte aos níveis de violência mínimos.
A dupla Corben/Villarrubia resultou em cheio, mostrando o ar pesado e opressivo que circula nas ruas de Harlem, a sujidade, o lixo e os graffitties, o clima de tensão que está sempre de rastilho aceso. Não acreditem em tudo o que vêem na televisão: Luke Cage não é para meninos.
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