Imaginem estarem a viver em Alfama. O estacionamento está para lá do manhoso mas, em compensação, as vistas são boas e a vizinhança é castiça. De repente decidem mudar-se para Campo de Ourique: a garagem é privativa, a escola dos putos fica quase à porta e há até um supermercado porreiro ao virar da esquina. Até aí tudo tranquilo, mas quando chegam ao novo lar o cenário é de favela: o gás está cortado, a água corre a conta-gotas e, para ver televisão, só mesmo recorrendo a uma puxada do vizinho.
Serve, este cenário improvável, como retrato da mudança do Super Rock Super Bock do Meco para o Parque das Nações, de que vale ainda a pena falar. Isto porque, depois de 3 anos de SBSR a Oriente, persistem as mesmas qualidades e defeitos. As acessibilidades, a qualidade do oxigénio e as vistas são sem dúvida motivo para contentamento mas, no que toca ao essencial – se por essencial considerarmos a qualidade sonora -, o panorama é claramente pouco animador: a Meo Arena continua sofrível, o palco junto à pala do Pavilhão de Portugal tem dias e, para salvar a honra, há agora o Palco LG, onde tem sido possível contar com uma definição sonora ao nível do que é exigido num evento destas dimensões. Sendo historicamente um festival saltimbanco, talvez seja hora de pensar numa mudança de cenário que, para além de boas acessibilidades, possa também oferecer concertos com a qualidade sonora merecida – e, também, dando aos cabeças-de-cartaz mais do que uma hora e pouco de tempo.
Depois de um primeiro dia consagrado às especiarias mais picantes e de um outro dedicado à cultura hip hop, o encerramento do SBSR foi uma autêntica salada de frutas, com espaço para a pop, a folk, o rock, e a dança.
Silva, James Vincent McMorrow e Seu Jorge foram responsáveis pelos momentos pelúcia do dia. Silva chegou-se à frente com um lote de canções – algumas de Marisa Monte, de quem gravou recentemente um LP de covers – situadas entre a bossa e o jazz, por vezes tocadas por algum espírito monocórdico. James Vincent McMorrow é senhor de uma outra imprevisibilidade, com uma folk que tanto vai beber à fase Mumford & Sons pré-enterro como à electrónica de James Blake, num cocktail indie que foi agradável de se ouvir.
Quanto a Seu Jorge, a decepção foi total, num misto de erro de casting da organização e de uma tremenda falta de respeito do público, que transformou o recinto numa zona lounge de um centro comercial onde a conversa se sobrepunha a qualquer outra coisa. Armado com o seu violão e envergando a roupa – barrete vermelho incluído – que o celebrizou no filme de Wes Anderson, Seu Jorge foi intercalando a música com algumas histórias à volta da sua participação no filme e na reinvenção das músicas de David Bowie com sotaque português, como o facto de ter escrito a maior parte dos temas à pressa, de ter sido inspirado no set pela gravidez de Cate Blanchett ou de o convite cinéfilo ter chegado enquanto jogava FIFA num dia de folga. Ou, ainda, partilhando a relação quase desconhecida que tinha com a música de Bowie, sobretudo com os clássicos: “Sou preto, nasci lá na favela e preto não ouve rock and rol”. Um tributo a um dos deuses maiores da música que merecia um outro cenário, cuidado e atenção.
Os Foster The People estavam claramente entusiasmados com a saída do seu novo disco – acontece já esta semana – e com, finalmente, terem deixado para trás a vida de estúdio: “É bom interagir com pessoas na vida real”, disse o vocalista Mark Foster, que se mostrou um bom performer e entertainer, com a banda a transformar a Meo Arena num Sacred Hearts Club – o título da nova rodela – numa actuação que, para lá dos clássicos, ofereceu temas mais electrónicos e apontados às pistas de dança, qualquer coisa como uns Scissor Sisters ligeiramente mais bem comportados.
Os Deftones trouxeram de volta o mosh e o crowdsurfing, num regresso a uma sonoridade dos anos 90 que se encontra hoje um pouco datada – ainda que a banda tenha continuado o seu percurso e a lançar novas rodelas. Chino Moreno e rapazes estiveram em grande, numa descarga de decibéis capaz de alimentar, durante uma semana, a central eléctrica mais próxima, tendo os temas mais delicados e subtis, parte da imagem de marca da banda, ficado para trás em nome de uma curta actuação onde só houve espaço para petardos. Houve ainda tempo para Chino Moreno descer às grades e abraçar alguns fãs, num concerto que proporcionou algumas nódoas negras e lembrou a boa vida que era quando não existiam telemóveis. Pena, há-que repeti-lo, o som não ter estado à altura da actuação dos Deftones.
A noite na Meo Arena encerrou o DJ set de Fatboy Slim que, entre êxitos próprios – “Right here, right now” ou “The Rockafeller skank” e alheios – Ramones ou Queen -, fez a festa que se lhe pedia, ainda que sem ter inventado grande coisa. Para o ano há mais, com o desejo de no final podermos escrever qualquer coisa como isto: a Oriente (quase) tudo de novo.
Fotografias cedidas ao Deus Me Livro pela organização.
Sem Comentários