Prontos para as curvas e contracurvas do terceiro dia do NOS Alive, aterrámos no concerto do norte-americano Benjamin Booker, que por cá passeou as suas várias encarnações: o cantor de New Orleans ora bebe da soul de Otis Redding (com “Believe”, por exemplo), ora debita revoadas de electricidade blues-rock (“Violent Shiver”), ora faz ressaltar as influências gospel (“Witness”).
Foi uma actuação intensa, com alguns bons momentos – ali a meio o guitarrista, de penteado tipo manjerico, até deixou voar os óculos com a emoção. No entanto, havia ainda pouca audiência e faltou também a Booker uma certa disponibilidade para puxar pelo público, que até parecia querer ir na cantiga. Fica para a próxima, Benjamin.
Britt Daniels e companhia – que é como quem diz os Spoon – entraram em acção pouco depois das 20h10 – a banda de Austin anda pelos palcos do planeta há 20 anos, e veio ao Alive promover o nono álbum de originais, “Hot Thoughts”. Foi por aí que começaram, com a contagiante “Do I Have to Talk You Into It”. Tocariam ainda a balada “I Ain’t The One” e a galopante “First Caress”. Como não podia deixar de ser, passagem obrigatória por alguns temas clássicos: “Don’t Make me a Target” foi magnífico, “Inside Out” e “Rent I Pay” outros dois excelentes momentos.
Tanto em palco como em estúdio, os Spoon são uma banda de trabalho: picam o ponto com uma consistência admirável, mantendo os níveis de qualidade bem altos, mas fugindo dessa entidade demoníaca que assola tantas bandas veteranas: a previsibilidade.
Daniels é um tremendo vocalista: canta com fibra e arrojo, e mostrou em palco porque é que os Spoon são aquele imponente edifício de rock n’roll. Guardou ainda um mimo para o fim: este foi o último concerto da tournée, e Daniels confessou ter sido o seu preferido. Ficou o convite para os ver novamente em Novembro nos Coliseus.
Dizemos adeus aos Spoon e vamos até Seattle, à boleia dos Fleet Foxes. A banda de folk rock começou a sua actuação precisamente com um elogio aos Spoon – “great band”, segundo o vocalista Robin Pecknold. Recortadas contra um fundo de aguarela colorida viam-se as silhuetas de 6 músicos e múltiplos instrumentos, entre os quais um velho piano de saloon. Havia a expectativa de perceber como funcionaria o denso e esquivo álbum de 2017, “The Crack-up”, no contexto de um Festival. E funciona muito bem, pela amostra das duas primeiras músicas: a barragem sonora de “I Am All That I Need / Arroyo Seco / Thumbprint Scar” entusiasmou; “Cassius”, em versão ritmada, também funcionou bem, com uma resposta muito positiva por parte do público. Tivemos porém de adiar o encontro com os Fleet Foxes para uma próxima ocasião, uma vez que os Depeche Mode se preparavam para entrar em palco.
“Revolution”, dos Beatles, deu o mote para a entrada da banda em palco, que de imediato tocou “Going Backwards”, do último LP “Spirit”. No ecrã gigante havia uma mescla de cores que se foram apagando até ficar tudo negro – foi a deixa para o primeiro clássico da noite, “Barrel of a Gun”.
E houve muitos clássicos a desfilar: “Wrong”, “Everything Counts”, “Enjoy The Silence”, “Stripped” – momentos celebratórios, com Dave Gahan endiabrado e cheio de trejeitos, a confirmar porque é que os Depeche Mode são, hoje em dia, uma das mais lucrativas máquinas de música ao vivo do planeta.
Mas nem só de clássicos se fez a noite: a interpretação da mais recente “Where’s The Revolution” foi excepcional, muito apoiada pela componente visual: enquanto Gahan interagia com o público, havia desenhos de botas a marchar e punhos cerrados no ecrã gigante, naquela que será a canção mais política dos Depeche Mode.
Alguém gritava repetidamente, a meio de uma música, “Show me Depeche Mode, i wanna see them…”, mostrando que o pior cego é aquele que não consegue ver porque está bêbado.
O uso de imagens vídeo foi uma constante, e visualmente fazia sentido ver Dave Gahan como um astronauta perdido na terra em “Cover Me”, ou a rotina diária de um travesti em “Walking in My Shoes”. “Personal Jesus” fechou a loja da melhor forma, mais uma peça de luxo num catálogo impressionante. A banda entregou no Alive uma actuação ultra-competente, a cimentar o estatuto dos Depeche Mode como banda-sensacional-ao-vivo.
Resta assinalar a pujança hip-hop dos australianos Avalanches, que se apresentaram no Palco Heineken com um espectáculo sempre em festa e, a fechar a noite, a bizarria provocadora da actuação de Peaches, a incluir um chapéu-clitóris e bailarinas com fatos-vagina (a sério).
Fica, desde já, encontro marcado para os dias 12, 13 e 14 de Julho de 2018. Até para o ano, NOS Alive!
1 Commentário
Assinalar os Monstro e os plastic people que actuaram antes de Benjamin Booker. Mostra que a música nacional se encontra viva e com saúde. Pena não haver esse destaque no artigo