A modelo britânica Karen Elson conheceu Jack White nas filmagens do vídeo de “Blue Orchid”, dos White Stripes, e o casamento não se fez esperar: a cerimónia ocorreu no Brasil, em 2005. Com a ajuda do marido na produção, Elson lançou o primeiro disco, “The Ghost Who Walks”, em 2010. A mãozinha talentosa de White era bem visível – um som low-fi, rústico, escolhas peculiares de instrumentos, e a voz de Elson trabalhada com secura e distorção, firme no terreno do Blues.
Sete anos volvidos, o novo álbum “Double Roses” (H.O.T. Records/2017) reflecte a volta que a vida de Karen deu: na sequência de um divórcio pouco amigável, Jack White saiu de cena e, para o seu lugar (de produtor, bem entendido), entrou Jonathan Wilson, cúmplice habitual de Father John Misty. A abordagem musical também é outra: “Senti que estas canções tinham de ser diferentes do meu primeiro disco”, explicou a modelo-cantora à revista i-D. “Simplesmente não quis fazer o mesmo outra vez”.
Ouvimos a harpa serpenteante no início de “Wonder Blind”, o primeiro tema, e constatamos a transformação – a crueza do álbum anterior deu lugar a um som mais “arrumadinho” e orquestral, com um bom gosto irrepreensível.
O tema-título mantém o registo etéreo – a onda é mais folk do que blues, mais polida e britânica, com uma pitada de country – ou não estivesse Elson sedeada na mítica Nashville, Tennessee. Wilson foi uma boa escolha, a produção arejada eleva as canções de Elson, fazendo-as brilhar bem alto.
A voz transpira confiança em “Call Your Name”, balada épica que envolve harpa, arranjos de cordas e um discreto trabalho de bateria, resultando numa sonoridade luxuosa. O tema contou com ajuda de Patrick Carney, baterista dos The Black Keys, na produção – curiosamente é conhecida a inimizade entre os Keys e Jack White, com vários “bate-bocas” no histórico.
Avançando no disco, também a pastoral “The End” convence. A guitarra acústica abre caminho à voz afinada de Elson, a ferroada do divórcio a vir ao de cima – “It’s a mistake to hurt each other / Once so close but now so far”, canta. “Double Roses” é, assim, muito pessoal. Onde no disco anterior Karen vestia a pele de personagens barrocas e teatrais, aqui exprime a sua visão do mundo, liberta de máscaras.
“Este álbum é, na verdade, sobre encontrar a minha própria voz”, disse Elson à Interview, “sobre assumir a minha vulnerabilidade, e sobre a coragem necessária para se ser vulnerável”. “Double Roses” consegue soar majestoso e, ao mesmo tempo, íntimo e pessoal, de raízes profundas.
A atmosfera gótica de “Hell and High Water” soa a uma das “Murder Ballads” de Nick Cave, se o irrequieto australiano vestisse um fato de gala. É um dos pontos altos do disco. Há aliás outros momentos arrebatadores – veja-se o solo de piano eléctrico a meio de “Raven”, por exemplo, ou o sofisticado dramatismo de “Wolf”, uma grande canção com direito a um pujante solo de saxofone.
“Distant Shore” encerra o álbum em ambiente intimista, com a voz de Elson destacada no centro da música, e a ajuda de Laura Marling nos coros. O tema, melancólico e triunfante em igual medida, é uma espécie de selfie do actual momento da cantora. “I am alone, I am free; no one to come and conquer me”. Tão frágil como poderosa, a música de Karen Elson merece a nossa atenção.
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