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“Hoje Estarás Comigo no Paraíso” | Bruno Vieira Amaral

Por Pedro Miguel Silva · Em 08/05/2017

Primeiro houve “Guia para 50 Personagens da Ficção Portuguesa”, um divertimento que deu a conhecer ao leitor 50 das mais fascinantes personagens da ficção portuguesa, apresentadas em pequenos capítulos numa ordem cronológica que, mais do que seguir a data de publicação do livro ou o tempo que nele era descrito, percorria uma linha temporal feita de emoções e estados de alma.

Seguiu-se “As Primeiras Coisas”, uma imensa Enciclopédia de fatalidades – ofertada com o Prémio José Saramago -, apresentada por ordem alfabética, de pessoas que fizeram a história do Bairro Amélia: Adozinda, a mestre dos desmanchos; Adalberto, um génio que ouvia vozes a falar em russo; Dona Cremilde, que descia a escada falando com seres imaginários (como se tivesse um fantástico contrato com a morte); um dentista que arrancava dentes a sangue-frio;  o Doutor Santos, que passou do ser mais respeitado do bairro a “filho da puta fascista”. Um romance composto de pequenos fragmentos – crónicas brilhantes -, habitado pela melancolia e pela violência mas onde espreitava, por detrás de um mundo de fatalidades, uma réstia de humanidade que seguia o mantra “viver é falhar“.

Agora, dedicado por inteiro ao ofício de escriba, Bruno Vieira Amaral oferece-nos “Hoje Estarás Comigo no Paraíso” (Quetzal, 2017), um romance corajoso onde, ao procurar as causas para a morte de um primo do qual guarda apenas indícios daquilo a que se podem chamar memórias, acaba por recuperar e construir a sua própria geografia, num mergulho na infância e no acto que assiste à própria escrita – as citações que antecedem cada capítulo são um belo guia de assistência ao exercício ficcional.

“Para mim, João Jorge nasceu na noite em que o mataram, nas hortas a caminho da Vila Chã“. É este o ponto de partida para a investigação de Bruno Vieira Amaral ou, como lhe chama o avô, de Dom Bruno do Vale da Amoreira que, partir de testemunhos orais de familiares e desconhecidos, recortes de imprensa e arquivos judiciais, tentará encontrar uma verdade que insufle algum sentido à vida de João Jorge e traga alguma luz a uma morte que parece estar entre o crime passional, o roubo de porcos e o puro acaso.

Hoje Estarás Comigo no Paraíso, Quetzal, Deus Me Livro, Bruno Vieira AmaralO triunfo do romance está, porém, afastado deste lado mais detectivesco, residindo na viagem pessoal empreendida pelo narrador que, desde os tempos em que na adolescência caminhava entre “campas e ciprestes“, reconstrói o seu próprio caderno de memórias.

Quanto ao leitor, vê-se também obrigado a abrir a gaveta dos recuerdos, enfrentando os vários silêncios familiares, relembrando os amores deixados para trás, redescobrindo o corpo, recordando a passagem da infância para a idade adulta. Ou, ainda, bebendo leite com cola-cao, relendo as Histórias do Avozinho, assistindo às novelas “O Bem-Amado” e “Kananga do Japão” ou regressando ao incrível Mundial de 1982.

Por entre referências a W. G. Sebald, Euclides da Cunha, Vargas Llosa ou Garcia Marquez, Bruno Vieira Amaral escreve a sua história e a contada pelos outros – “Escreva isto amigo Vieira” -, devolvendo a memória e o prazer de recordar aos menos desfavorecidos, democratizando a própria existência humana – e a ideia de justiça cega – ao apontar as injustiças diárias de quem nada mais almeja do que a mera sobrevivência: “Que injustiça? A injustiça das ordens gritadas, a injustiça de um homem, seu semelhante, a berrar-lhe aos ouvidos, a injustiça do sol e do suor, a injustiça de, naquela tarde e em todas as tardes, haver um mundo para além daquela vala, a injustiça do esforço diário, burro, rotineiro. Essa injustiça. A injustiça que todos calamos, diariamente, a caminho do trabalho, do café bebido no barco, no jornal gratuito abandonado no banco do comboio, no bolo de arroz mastigado e engolido à pressa, aquele bocado que dói e custa a ir para baixo e o copo de água para empurrar o tédio“.

Bruno Vieira AmaralHoje Estarás Comigo no ParaísoQuetzal

Pedro Miguel Silva

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