A história por trás do quinto álbum dos Gorillaz é esta: em 2015, quando Damon Albarn andava a reunir colaboradores para a sua visão distópica da América, pediu-lhes para imaginarem o país depois de um evento catastrófico – o exemplo usado foi a vitória (na altura) improvável do candidato à presidência Donald Trump.
Quando o inenarrável Trump ganhou, em 2016, Albarn fez o exercício contrário: retirar do disco todas as referências explícitas ao novo presidente, para manter a narrativa no universo imaginário que os Gorillaz construíram na sua discografia. “Humanz” (Parlophone, 2017) assemelha-se a uma playlist apocalíptica. Cada tema mostra uma atmosfera própria, um veículo para os diferentes convidados brilharem.
O primeiro a tomar o palco é Vince Staples, em “Ascension”, a vociferar sobre a tensão racial que assola a América actual. Após as rimas agressivas do rapper californiano, a atmosfera altera-se com “Strobelite” – sintetizadores cintilantes acompanham Peven Everet numa onda muito disco sound, luminosa e despreocupada. Há algo de Stevie Wonder na voz de Everet, e a música foge ao paradigma habitual dos Gorillaz.
Nesta altura entramos no comboio fantasma, na companhia do jamaicano Popcaan, em “Saturnz Barz”. É uma aproximação ao dancehall, com um baixo subterrâneo reforçado por coros fantasmagóricos e teclas assombradas – um dos temas mais cativantes do disco.
Logo de seguida, os Gorillaz encontram-se com os De La Soul no explosivo “Momentz”: a batida pesada e hiperactiva, locomotiva de ritmo, a servir uma melodia infantil, como um perigoso carrossel avariado. “Humanz” vive desta energia vibrante, mantendo o ritmo acelerado.
“Submission” faz uma curva apertada para a pop efervescente, na voz da cantora Kelela. Conta ainda com o ácido rapper Danny Brown a dar apoio à equipa. Nova substituição e entra a voz da lenda das pistas de dança, Grace Jones, em “Charger”. Acompanha-a um loop de guitarra feroz, pousado numa textura de sirenes e sintetizadores serpenteantes. Electro-punk de alta velocidade, tirado de um qualquer Mad Max.
Entramos então em “Andromeda”, uma das composições mais infecciosas do álbum: um baixo potente dá logo vontade de dar ao pezinho. A música transmite uma sensação de melancolia que encaixa na temática do álbum, pedindo-nos para encontrarmos o lado positivo no turbilhão que nos rodeia – “Take it in your heart, now”, canta Albarn.
O planante “Busted and Blue” caberia perfeitamente na discografia recente dos Blur, assumindo o desalento e a ambivalência destes tempos em que estamos todos conectados – e, por vezes, tão distantes.
“Carnival” vale pela prestação vocal do cantor Anthony Hamilton, carregada de soul power, e “Let me Out” pela da veterana Mavis Staples, em dueto com o rapper Pusha T, também em boa forma.
“Sex Murder Party” e “She’s My Collar”, lúgubres e polvilhadas de teclas agoirentas sobre atmosferas de film noir, não acrescentam muito ao disco.
É nas duas músicas finais que “Humanz” descarrila – tanto Benjamin Clementine (em “Hallelujah Money”) como Jehnny Beth (em “We Got The Power”) são claros erros de casting – as vozes não encaixam nas músicas. Nem a participação de Noel Galagher na guitarra salva “We Got The Power”, demasiado aeróbico para o cânone dos Gorillaz.
Ainda assim, os temas fazem sentido na narrativa do disco – a desolação do mundo, seguida da redenção final –, encerrando o arco da nossa viagem no óvni destes símios musicais. Uma viagem que continua, apesar de alguns solavancos, a valer muito a pena.
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