Ser cátedra de Epistemologia, director do Centro Internacional de Filosofia de Bona, assim como receber a aprovação de Slavoj Žižek pelo «magnífico exercício de pensamento», certamente motivará Markus Gabriel, o autor de “Porque não existe o mundo” (Temas & Debates, 2014), Nascido em 1980, Gabriel é uma espécie de vedeta na cada vez mais desacreditada filosofia, descrédito ao jeito da parola sentença ditada por Stephen Hawking, que a condenou ao desuso.
Gabriel é um pensador (evocar-se o músico brasileiro é um trocadilho imediato) que se recusa encantar pelas promessas de plenitude das ciências naturais, ou deixar-se ficar satisfeito pelo pós-modernismo filosófico. Aliás, o autor sugere uma rotura com as muito exploradas teorias construtivistas, materialistas e até niilistas. Daí que se levantem várias vozes contra si, surgindo acusações de plágio, narcisismo, má elaboração de raciocínio baseado nos cânones ou, simplesmente, de profanar o trabalho de grandes nomes da filosofia.
O novo realismo, nome estipulado para caracterizar a corrente de pensamento do autor, afirma que o mundo não existe. Está confuso? Considere: «o mundo é sempre adiado e isso leva a que, pelo menos, existam todos os campos de significado em que possamos pensar (pelo menos nas nossas próprias mentes) mas o mundo é que não.» Partindo do princípio de que a finitude do conhecimento é inatingível, o ser contemporâneo tem revelado uma incapacidade em aceitar a propagação infinita dos ditos campos de significado, contextos intermináveis encontrados, por exemplo, no percurso que fazemos de casa ao trabalho, até à análise mais profunda de um poema ou equação matemática. Ou seja, uma visão mundista que englobe tudo isto – o mundo – é uma impossibilidade. Não que Gabriel nos esclareça de forma tão sucinta, já que há muito para desaprender e aprender que só é ganho (ou perdido) com a leitura.
Embora anuncie de início que “Porque não existe o mundo” se trata de uma obra simples (e, de facto, a ideia subjacente quando esmiuçada não é, de todo, complexa), Gabriel não poupa o discurso virtuoso quando considera aplicável para, paradoxalmente, esclarecer ao máximo quem o lê – é relevante que isso o confunda a si, leitor, ou faça discordar com o que é dito, como veremos na conclusão.
Além de procurar refutar correntes filosóficas bem enraizadas no mundo académico, Gabriel relaciona-as com a relevância da arte, ciência e religião (nesta última expondo quer o absurdo da vertente fundamentalista do eixo cristão-judaico-islâmico, quer a demagogia da cruzada ateísta de Richard Dawkins, vertentes distintas que abordam o significado da vida). Munido de um extraordinário sentido de humor e um gosto peculiar pela cultura popular, à maneira de Žižek, são várias as referências facilmente identificáveis que exemplificam a tese do novo realismo, resultando numa leitura voraz, por mais vontade que tenhamos de nos indignar com a índole absurda da obra.
O apelo de um ensaio filosófico jaz na devoção mental do leitor, para que exprima um descontentamento pelo todo ou pela parte; que não acredite em tudo com toda a certeza, verificando a validade, a lacuna e o erro. O novo realismo de Gabriel é, no fundo, um convite para esclarecermos o próximo realismo, já que o conhecimento não se rege pela inércia, ou por uma visão totalitária que rume às cegas, além dos limites do nosso intelecto.
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