Por mais poderoso e impiedoso que fosse José Estaline, o histórico ditador russo não teria como escapar a um fim de vida triste e sofrido, com uma angústia que seria prolongada pela ausência de cuidados médicos eficientes pois, ironicamente, alguns dos clínicos mais convincentes da URSS estavam detidos após perversas perseguições, acusados de conspirar contra as maiores figuras do Kremlin.
O medo que incutia nos seus mais próximos seguidores impediu-os mesmo de tomarem acções que podiam ter amenizado a apoplexia que se apoderou de si no início de Março de 1953. Dia 6 do mesmo mês, o Kremlin coloca as bandeiras a meia haste e anuncia a morte Estaline, o que provoca uma onda de comoção por todo o império bolchevique.
Ao contrário da morte de Hilter, não terão existido circunstâncias historicamente relevantes nos dias que antecederam a morte de Estaline, mas é de louvar o esforço de Joshue Rubenstein em descrever esse curto espaço de tempo em várias páginas.
Nos vários capítulos de “Os Últimos Dias de Estaline” (Objectiva, 2017), somos confrontados com as dimensões de um evidente e não disfarçado culto de personalidade: “Estar presente numa das suas aparições, ver e ouvir Estaline em carne e osso, era considerado uma oportunidade rara e fantástica”. Apesar de tudo, Estaline era indiferente àquela adulação, mantendo sempre a mesma postura impávida e austera.
O autor várias vezes tende a apoiar-se em documentos registados na imprensa escrita de referência, para descrever a severidade das acções de Estaline – sendo que, no entanto, se debruça com acutilância sobre as perseguições a dissidentes do partido que, posteriormente, foram executados. A revelação é assustadora: depois da morte de Estaline 2.6 milhões de pessoas estão colocadas em campos de concentração dentro das fronteiras da URSS. Além do mais, Joshua Rubenstein não omite nem esconde a caça às bruxas nem a perseguição aos judeus que caracterizou os anos em que Estaline (“os judeus mordem a mão do regime que os salvou”, lia-se no Pravda) esteve no poder. Vozes críticas ao regime – assumindo que havia na altura lugar para o sentido crítico -, como o conceituado escritor Aleksandr Soljenítsin, persistiam na narrativa de que existia um plano de deportação para todos os judeus a residir na Rússia.
Ao longo do livro são dados exemplos de casos em que Estaline mancha em privado o nome dos potenciais sucessores, sobretudo o de Nikita Kruschev, todos eles conscientes dos juízos de valor que o Chefe de Estado reproduzia sobre os mesmo. José sempre foi relutante em nomear um sucessor, o que não se tinha passado anteriormente com Lenine.
O falecimento de Estaline terá sido uma morte súbita que apanhou o Ocidente desprevenido, facto que levou o New York Times a criticar a administração do presidente norte-americano Eisenhower, sendo que este, por sua vez, continuava a considerar os soviéticos como a maior ameaça a norte-americanos e europeus. Joshua Rubenstein revela então que o General Eisenhower chegou a apelar a Moscovo que capitulasse ao solicitar eleições livres na Alemanha, seguidas de uma reunificação, um acordo pacífico na Coreia e a assinatura de um tratado na Áustria, bem como a independência total para países no Leste que Estaline deixou em cativeiro.
O presidente dos Estados Unidos e a sua administração apenas estavam interessados em ganhar vantagem sob o Kremlin perante a opinião pública, pois não se mostraram disponíveis para aprofundar qualquer tipo de negociação mais consistente, sendo que, da parte de Washington, havia a necessidade de colocar o ónus da culpa do falhanço da coligação no pós Guerra em Moscovo. Alias, segundo os registos de Rubenstein, no Ocidente apenas Churchill e a Câmara dos Comuns tinham um interesse genuíno num processo de renegociações com a URSS e numa mudança de paradigma.
Os sucessores de Estaline foram levados a encontrar alternativas às suas políticas extremas e conceituadas publicações ocidentais, como a Newsweek, o New York Times ou a Time não enjeitaram a oportunidade de louvar os ventos de paz que sopravam do Kremlin.
Rubenstein dedica grande parte da obra aos dias após o falecimento de Estaline, dando destaque à libertação de vários presos encarcerados no Gulag e ao fim da perseguição aos judeus na URSS.
No entanto, o autor é perentório: “Estaline morrera mas o seu regime não desabou (…) a população estava paralisada por um estado de medo”. O antagonismo causado pela morte do Ditador é descrito com precisão, “um rio vivo de amor e desgosto do povo fluiu constantemente”. São mencionadas no mesmo capítulo as mensagens de pesar de figuras como Juan Peron (Presidente argentino) ou o vietnamita Ho Chi Minh. Até o Vaticano terá incentivado todos os católicos a rezarem pela alma de Estaline que, em breve, iria prestar contas “ao Todo Poderoso”. Mas na ex-URSS crimes de anos seriam camuflados. “O regime não estava preparado para culpar Estline”, lê-se.
A brutalidade do regime Estalinista é denunciada na imprensa ocidental nos dias seguintes à sua morte, embora o autor, para nosso espanto, considere as mesmas de “reacções mal informadas e curiosas”.
Dizemos que a memória adoça com o tempo. No entanto, Joshua Rubenstein tem o mérito de denunciar meticulosamente os crimes de Estaline e a brutalidade da sua liderança, responsabilizando-o individualmente ao atribuir uma nova finalidade ao culto de personalidade do qual José Estaline foi alvo em vida.
No último capítulo, intitulado “O fim do Começo”, Rubenstein é contundente e corrosivo: “Só depois de Mikhail Gorbachev ter decidido parar de prender pessoas (…) e acabar com a censura é que a União Soviética se desmoronou. Isso aconteceu em 1991. Sem os mecanismos brutais de controlo de Estaline, o sistema de regime ditatorial que ele impusera já não podia persistir”.
Não se pode comparar o que se sabe hoje a respeito da URSS do século XX com o que se sabia na altura. No entanto, “Os Últimos Dias de Estaline” é um documento histórico de valor imprescindível, que não oculta a ausência de respeito pela vida do próximo que caracterizou uma das figuras mais marcantes da história da Humanidade – ou a violência atroz do regime que a mesmo comandou.
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