Até 1945, os seus pais eram heróis. Depois da derrota alemã, os seus apelidos tornaram-se atrozes. Himmler, Göring, Hess, Frank, Bormann, Höss, Speer e Mengele passaram a ser sinónimos do horror nazi, e os seus filhos ficaram com o legado de carregar esse peso.
Estas crianças que lidaram com a experiência da Segunda Guerra Mundial de forma privilegiada, com pais todo-poderosos, viveram o fim do conflito e o real impacto do mesmo como se de um terramoto se tratasse. Inocentes, desconheciam os crimes dos pais mas a realidade – e a vida – encarregou-se de lhes mostrar toda a sua horrível extensão. Uns condenaram esse passado, outros continuaram a prestar vassalagem aos ideais de alguns dos nomes mais odiados por toda a humanidade – e que ficaram conhecidos pelos seus injustificados e assassinos ideais.
“Os Filhos dos Nazis” (Guerra & Paz, 2016), de Tania Crasnianski, levanta um pouco o véu sobre como lidaram essas crianças com a diabolização dos seus pais, revelando o quotidiano dos filhos dos carrascos nazis que viviam paredes meias com o inqualificável III Reich mas, também, o sentimento de privação, vergonha, repúdio ou medo que resultam dessa experiência. Pelo meio surgem várias perguntas: que tipos de ligação mantiveram com os pais? Como é viver com um dos apelidos mais diabolizados pela História? Como é a vida de alguém com um passado tão assombrado e tão presente na memória colectiva?
Essa curiosidade aguça a nossa vontade de explorar um livro que se lê rapidamente e
com um misto de emoções. Crasnianski dedica cada capítulo a uma criança (ou família) e levanta uma série de dúvidas que nascem de uma assertiva investigação por parte da ex-advogada e penalista. O fio condutor deste livro revela-se “esquemático”: primeiro, conta-se como se descobriu a pessoa; depois, é revelada a história do pai; por fim, como se lida com um pesado passado e se tenta reconstruir o respeito por um apelido.
O que se constata é que as relações entre estas pessoas e os seus pais variam. Enquanto uns deixam parecer, mais menos subliminarmente, que o peso do seu apelido é complicado, outros são “levianos” ao ponto de confessar algum orgulho (o caso de Gudrin Himmler é taxativo). No mínimo, estranho é também o confesso desconhecimento de alguns testemunhos face ao que os pais faziam.
Outro dos ângulos explorados por Tania Crasnianski remete-nos para uma declarada cobardia dos homens fortes do regime nazi pois, a partir da informação registada em “Os Filhos dos Nazis”, não revelaram à sua família o verdadeiro papel na dinâmica assassina do III Reich – ou a extensão dos horrores perpetrados por sua culpa. Crasnianski vai mesmo ao ponto de trazer à tona uma certa bipolaridade no exercício nas suas funções militares – e em ambiente doméstico. E, espantem-se os mais cépticos, Rudolf Höss, comandante de Auschwitz, tinha fama de ser um pai amoroso, ainda que não hesitasse em enviar crianças para as câmaras de gás.
Ainda que já tenha confessado o complicado que foi escrever um livro como este, a autora conseguiu fazê-lo com distinção, logrando, qual jornalista bem formada, relatar os factos sem opinar. Essa noção de neutralidade confere credibilidade e permite que também o leitor possa fazer a sua percepção de toda esta terrível, negra e perturbante realidade.
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