Barry Jenkins assumiu recentemente que “Moonlight” reflecte a sua própria experiência, já que, à semelhança da personagem principal – Chiron -, cresceu em Miami sob grandes dificuldades financeiras e o peso de um pai ausente. Mal leu a peça “In Moonlight Black Boys Look Blue”, de Tarell Alvin McCraney, decidiu adaptá-la para o cinema, sendo este o primeiro grande filme sobre a evolução de um rapaz desde a infância até à idade adulta depois de “Boyhood”, de Richard Linklater.
Estamos perante um “tríptico”, uma vez que a história se divide em três partes. Na primeira, Chiron tem apenas 10 anos e parece estar em apuros, perseguido por uma série de colegas pelo meio do mato. Por sorte acaba por encontrar refúgio numa casa abandonada, onde – ficamos a saber mais tarde – alguns junkies aproveitam para alimentar o vício. É nessa mesma casa que Juan (soberbo Mahershala Ali, nomeado para o Óscar de Melhor Actor Secundário) o descobre, intuindo de imediato que o petiz não está em bons lençóis. Esbarrando, porém, no mais absoluto silêncio, Juan vê-se obrigado a levá-lo para casa, confiando nos predicados da companheira, Teresa (Janelle Monáe), para quebrar o gelo.
Aos poucos converte-se numa figura paternal, uma vez que Chiron vive apenas com a mãe, uma enfermeira viciada em drogas duras. Os laços estreitam-se e as lições sucedem-se: desde aprender a nadar a escutar que, mais cedo ou mais tarde, não podemos deixar as decisões mais importantes da nossa vida em mãos alheias, toda esta crescente familiaridade será decisiva para a formação da personalidade de “Little”, a alcunha por que é conhecido. Pelo meio ouvimos a espantosa banda sonora, provavelmente a melhor de todas as que foram nomeadas pela Academia de Hollywood – mérito do compositor Nicholas Britell, cujo talento é assombroso.
Na segunda parte tomamos contacto com um Chiron já adolescente. Apesar de já não ter o porte franzino da infância, a fragilidade permanece, bem como as perseguições devido às suspeitas em torno da sua alegada homossexualidade. O único que se mantém ao seu lado é Kevin, um mulherengo fala-barato, uma vez que a mãe se afunda cada vez mais no vício das drogas e Juan já não se encontra no reino dos vivos. Cada vez mais solitário, Chiron tem muitas dúvidas acerca da sua própria identidade – sendo, em parte, subitamente dissipadas numa noite de luar. Talvez seja por isso que acaba por reunir forças para enfrentar o líder do gangue que o atormenta, protagonizando uma reviravolta que mudará todo o seu percurso.
Na terceira parte somos tomados de assalto por uma figura completamente diferente. Já na idade adulta, Chiron é conhecido por “Black”, e longe vão os tempos em que a debilidade era a nota dominante. Agora conduz um carro em tudo semelhante ao de Juan, tendo até seguido as suas pisadas no mundo do crime: o negócio da droga transformou-se, também para ele, num modo de vida, conferindo-lhe estatuto e poder. No entanto, há ainda vestígios de insegurança, algo que se nota quando Kevin lhe telefona após vários anos sem se verem. O reencontro será determinante para a evolução de ambos – sendo o diálogo final uma das razões por que podemos considerar “Moonlight” uma obra singular. “Mais cedo ou mais tarde, tens de decidir quem queres ser. Não podes deixar que os outros decidam por ti”, explicava Juan a “Little”. Decidir com quem queremos ficar ajuda também a definir-nos.
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